“Nosso Sonho” não é nenhum favor. No lote de cinebiografias de artistas do cenário musical brasileiro iniciada por “Cazuza — O Tempo Não Para” (2004), dirigido por Sandra Werneck e Walter Carvalho, e “2 Filhos de Francisco: A História de Zezé di Camargo & Luciano” (2005), levado à tela por Breno Silveira (1964-2022), e consolidada com “Tim Maia” (2014), a cargo de Mauro Lima, e “Simonal” (2018), de Leonardo Domingues, o filme de Eduardo Albergaria é um resgate necessário da carreira de dois garotos sonhadores de São Gonçalo, município pobre e violento da Baixada Fluminense, que venceram por uma rara habilidade de juntar letras sobre o amor, a vida em bairros periféricos de uma megalópole, coreografias fáceis que não deixavam ninguém parado e, sobretudo, carisma para dar e vender. Em duas horas, Albergaria e os corroteiristas Daniel Dias e Mauricio Lissovsky matam a saudade dos fãs ao passo que contam uma história de superação e talento, que, lamentavelmente não acaba bem.
O título do filme alude ao nome da canção homônima da dupla, um dos maiores sucessos de 1996, mas o diretor aposta mesmo é na jornada de Cláudio Rodrigues de Mattos (1975-2002) e Claucirlei Jovêncio de Sousa muito antes do disco de platina duplo pelo álbum “Só Love” (1998), além dos dois discos de platina triplo, por “Claudinho & Buchecha” (1996) e “A Forma” (1997), concedidos pela Associação Brasileira dos Produtores de Discos, hoje Pro-Música Brasil. Uma parcela ínfima dos donos desses quase setecentos mil registros fonográficos tinha uma pálida ideia do que foi a subida dos amigos, experientes em subempregos como office boy e vendedor ambulante, até o estrelato.
Na pele de Buchecha, Juan Paiva narra esses perrengues como quem confidencia segredos e mágoas, relembrando o que podem ter feito de errado e agradecendo pela chance de um espaço na grande mídia, depois da participação em concursos de rap no Clube Mauá, no número 635 da avenida Presidente Kennedy, no centro de sua cidade natal. Imagens de arquivo mostram-nos em edições do “Planeta Xuxa” (1997-2002), da Rede Globo de Televisão, e “Jô Soares Onze e Meia” (1988-1999), no SBT, enquanto a narrativa vem e vai entre flashbacks nos quais os funkeiros surgem em apuros familiares testemunhados por Dona Judite, a vizinha encarnada por Isabela Garcia. As parcerias com Claudinho, de Lucas Penteado, também servem a Buchecha como válvula de escape, momento em que Albergaria começa a cutucar a chaga mais dolorosa do músico, a difícilima relação com o pai alcoólatra, Claudino de Souza Filho. Aos 61 anos, Claudino foi assassinado na madrugada do domingo 28 de março de 2010, durante bate-boca num bar.
Contudo, oito anos antes, Buchecha recebera notícia igualmente devastadora. Na manhã de 13 de julho de 2002, após a realização de um show na cidade de Lorena, nordeste de São Paulo, Claudinho envolveu-se num acidente de carro na rodovia Presidente Dutra. Sem detalhar as circunstâncias da tragédia, tampouco flagrar a colisão, um acerto, o diretor concentra-se na reação de Buchecha ao saber do infortúnio, com Paiva irretocável ao extravasar o choque da separação repentina e brutal, depois de uma vida inteira. Claudinho recebeu atendimento médico, mas acabou morrendo, em Seropédica, na Baixada Fluminense. Ele tinha 26 anos.
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