Christopher Nolan conduz “Oppenheimer” como um filme que desafia a linearidade e os moldes convencionais de cinebiografias. Em vez de uma trajetória cronológica, o diretor tece uma narrativa fragmentada, entrelaçando diferentes tempos e perspectivas para construir um retrato denso e inquietante do físico teórico J. Robert Oppenheimer. Essa escolha estilística não apenas reflete a complexidade de sua mente, mas também transforma sua jornada em um thriller psicológico de alta voltagem, onde ciência, política e moralidade colidem em um drama de proporções épicas.
A trama acompanha Robert J. Oppenheimer desde sua ascensão como acadêmico até sua liderança no Projeto Manhattan, culminando na criação da bomba atômica em Los Alamos. A estrutura não linear intercala os desafios científicos e estratégicos do físico com sua posterior derrocada política e moral, tornando o filme um estudo multifacetado sobre poder e responsabilidade. Os diálogos afiados e a montagem engenhosa conduzem o espectador por uma espiral de eventos que ora exaltam a genialidade do protagonista, ora expõem sua vulnerabilidade diante de forças que escapam ao seu controle.
Cillian Murphy entrega uma performance de rara intensidade, traduzindo o peso da consciência que oprime Oppenheimer após o impacto de sua invenção no mundo. Seu olhar inquieto e a expressão esgotada refletem um homem consumido por dilemas internos, e a composição de sua atuação mantém o filme ancorado em uma carga emocional autêntica. Ao seu redor, um elenco de apoio afiado potencializa os conflitos: Robert Downey Jr. confere a Lewis Strauss uma astúcia fria e meticulosa, tornando-o um antagonista calculista e inescrutável; Matt Damon, como o general Leslie Groves, contrabalança a idealização científica com pragmatismo militar; Emily Blunt e Florence Pugh, em papéis distintos, expõem facetas contrastantes da vida pessoal do protagonista, pontuando suas fragilidades e contradições.
Nolan adota uma abordagem que reforça a dualidade da narrativa: cenas em preto e branco contrastam com a vivacidade cromática dos momentos mais íntimos, acentuando a divisão entre os âmbitos pessoal e público do protagonista. O design de som e a trilha sonora não são meros complementos, mas componentes estruturais da experiência, intensificando a sensação de urgência e imersão. Além disso, a decisão de evitar efeitos visuais digitais para representar os testes nucleares dá uma autenticidade brutal ao filme, tornando a experiência mais visceral.
“Oppenheimer” vai além do espetáculo técnico e da reconstituição histórica detalhada. O filme propõe um debate atemporal sobre ética e ciência, questionando os limites do conhecimento e as implicações irreversíveis de avanços tecnológicos em larga escala. A explosão da bomba atômica alterou o curso da humanidade, mas seu criador jamais se desvencilhou do fardo que carregava. Nolan traduz essa ambiguidade de forma implacável, transformando o físico não em um herói ou vilão, mas em um homem à mercê de suas próprias escolhas.
Apesar da longa duração, o ritmo sustentado pela montagem e pela força das atuações mantém o espectador imerso. O último ato, centrado no declínio do protagonista e nos bastidores da política que o empurraram para o ostracismo, pode parecer exaustivo para alguns, mas cumpre um papel essencial ao amarrar as consequências de sua trajetória. Em vez de um desfecho convencional, o filme encerra sua jornada com uma reflexão amarga sobre a irreversibilidade de certos atos e o preço da ambição.
“Oppenheimer” se firma como um dos filmes mais marcantes de Christopher Nolan, combinando grandiosidade cinematográfica com um estudo psicológico profundo e inquietante. É uma experiência que exige comprometimento do espectador, mas que, em troca, entrega uma obra robusta, perturbadora e intelectualmente estimulante, digna de permanecer na memória por muitos e muitos anos.
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