O tempo, esse elemento intransigente que rege nossas vidas, define a essência de “Um Dia”. Adaptado do romance de David Nicholls e dirigido por Lone Scherfig, o filme se constrói sobre um conceito narrativo engenhoso: ao longo de duas décadas, revisitamos Emma Morley e Dexter Mayhew sempre no dia 15 de julho, observando como suas trajetórias se entrecruzam, se afastam e se transformam. Mais do que um romance, a história examina a passagem do tempo e a forma como ele molda os sonhos, as desilusões e as identidades individuais.
Emma e Dexter encarnam extremos que se atraem e repelem. Ela, idealista e perspicaz, busca seu lugar no mundo por meio da literatura, enfrentando anos de incerteza e obstinação. Ele, carismático e hedonista, desliza por um sucesso efêmero na televisão, desprovido de estrutura emocional. Cada reencontro anual reafirma sua conexão, mas também evidencia o descompasso entre seus momentos de maturidade. A força do filme reside nessa tensão: o amor entre eles não é impedido por forças externas, mas pela própria incapacidade de alinharem suas vidas no tempo certo.
A escolha de acompanhar os personagens em recortes anuais gera um efeito duplo. Por um lado, permite que o espectador preencha os espaços com subentendidos e observações sutis. Por outro, pode sugerir desconexão, já que transforma momentos decisivos em fragmentos isolados. A direção de Scherfig, no entanto, contorna essa limitação ao utilizar raccords visuais inteligentes e uma fotografia que traduz a evolução emocional dos protagonistas: tons sépia envolvem a jornada introspectiva de Emma, enquanto Dexter, mergulhado no efêmero, transita entre cores vibrantes e sombras crescentes.
O que impede “Um Dia” de se render a clichês sentimentais é o talento de Anne Hathaway e Jim Sturgess. Hathaway transforma Emma em uma personagem de camadas ricas, transitando entre vulnerabilidade e assertividade sem perder a autenticidade. Sturgess, por sua vez, assume o desafio de fazer de Dexter um homem que amadurece diante das dores impostas pelo tempo. Juntos, eles dão vida a uma dinâmica repleta de afeto, ironia e melancolia. Os diálogos, ainda que por vezes didáticos, carregam a acidez do humor britânico e a complexidade de uma relação que desafia definições convencionais.
Os coadjuvantes também desempenham papéis essenciais. Patricia Clarkson imprime ternura e sabedoria como a mãe de Dexter, oferecendo um dos momentos mais autênticos da trama. Rafe Spall, como Ian, o namorado inexpressivo de Emma, serve como contraste para suas escolhas afetivas. Mesmo personagens menos desenvolvidos, como o pai de Dexter, ajudam a construir o pano de fundo que influencia suas decisões.
O desfecho de “Um Dia” evita o conforto das soluções previsíveis. Em vez de oferecer um encerramento tradicionalmente satisfatório, a narrativa nos lembra que a vida se desenrola de forma irredutível, indiferente às expectativas humanas. Mais do que uma história de amor, o filme é um retrato da efemeridade e da impossibilidade de reter o tempo. Não resta apenas a lembrança do que foi vivido, mas também o eco permanente do que poderia ter sido.
★★★★★★★★★★