O melhor filme de Halle Berry em uma década acaba de chegar ao Prime Video Divulgação / Lionsgate

O melhor filme de Halle Berry em uma década acaba de chegar ao Prime Video

Filmes que, de uma forma ou de outra, tratam do homem, sua interação com o ambiente e as consequências mais deletérias desse fenômeno — o apocalipse, no pior cenário — já se tornaram o lugar-comum por excelência da indústria cinematográfica hoje. Parece que diretores de todas as colorações ideológicas, que professam fés as mais variadas, com visões de mundo mesmo incoerentes com o ofício de que tiram o sustento são, de quando em quando, acometidos de uma descrença fundamental da vida, que, ao menos naquela quadra de sua história, redunda em trabalhos de teor escatológico em maior ou menor grau. “Não Solte!” é uma sucessão de metáforas sobre mães e seu arguto instinto de sobrevivência, à flor da pele, tanto mais depois do que parece o epílogo de uma civilização. Alexandre Aja tem se saído melhor que a encomenda nessas distopias sobre as péssimas escolhas da humanidade, e aqui acrescenta a sempre eficaz neurose da maternidade, argumento que ganha tintas mais e mais dramáticas à medida que o enredo vai avançando.

Uma choupana paupérrima é o paraíso em que uma mãe e seus dois filhos, Nolan e Samuel, vivem, padecendo de toda sorte de carências. Eles saem para caçar coelhos e esquilos na mata que circunda seu estranho santuário, mas muitas vezes regressam apenas com sapos, vermes e cascas de árvore, que a mãe prepara com seus poucos temperos e serve numa mesa rústica. Sempre que cruzam a porta, os três devem manter-se presos a uma corda amarrada à cabana, que o roteiro de KC Coughlin e Ryan Grassby dá a entender tratar-se de um amuleto sagrado que os protege dos espíritos malévolos que habitam o bosque. Logo fica claro que esses fantasmas vêm todos do passado da mãe, começando por uma senhora que se arrasta pelo chão e materializa-se em qualquer lugar em que um dos três solitários moradores esteja, trazendo junto o marido e o filho, o pai de Nolan e Samuel. Aja destrincha um conto acerca de uma família disfuncional, de que a mãe consegue escapar ao cabo de anos de abusos, e que perpetua-se pelo excesso de zelo dessa mulher patologicamente ressentida, agora ela mesma responsável por sua desgraça.

A trilha sonora de Robin Coudert é imprescindível por incluir o público numa narrativa propositalmente confusa, que se põe a discorrer a respeito de assuntos à primeira vista sem relação uns com os outros, mas que não demoram a se misturar. Halle Berry vai além do que o papel exige-lhe, mostrando-se uma megera ora doce, ora infernal, e sua sintonia com os talentosos Percy Daggs IV e Anthony B. Jenkins, nessa ordem, é perfeita. A uma análise ligeira, “Não Solte!” lembra o amálgama de produções a exemplo de “Mãe!” (2017), dirigido por Darren Aronofsky, “Aniquilação” (2018), levado à tela por Alex Garland, “Fuja” (2021), a cargo de Aneesh Chaganty e “A Mãe” (2023), de Niki Caro, mas impõe-se por sua própria força. Ninguém se solta tão cedo dele, com a licença do trocadilho.

Filme: Não Solte!
Diretor: Alexandre Aja
Ano: 2024
Gênero: Suspense/Terror
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★
Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.