Stanley Crawford não é apenas o centro de “Magic In The Moonlight”; ele é o vértice de um ceticismo em estado de guerra contra o encantamento. Seu desprezo pelo outro — e por si — é refinado, construído com a precisão de quem passou a vida desmanchando ilusões. Woody Allen não o desenha como herói nem vilão, mas como alguém encurralado pelo próprio intelecto, fadado a desconfiar de qualquer faísca de sentido no mundo. A frase de Thomas Hobbes sobre a existência humana, seca como um veredito, parece menos uma citação e mais um retrato de Stanley — e talvez do próprio Allen, que esconde sua descrença atrás de diálogos engenhosos e situações que, à primeira vista, fingem leveza. Só que por baixo da seda, sempre lateja o aço.
Allen arma seu palco com os instrumentos de um prestidigitador maduro: não busca o deslumbramento, mas o estranhamento. A ilusão, aqui, não é algo a ser temido — é o que resta quando toda crença racional se esfarela. Ao instalar o enredo numa Riviera que parece arrancada de um cartão postal desbotado dos anos 1920, ele arquiteta um teatro de aparências que não seduz por sua beleza, mas por sua dissonância. O protagonista, que atua como Wei Ling Soo no palco, insulta em silêncio aqueles que engana e odeia a si mesmo por depender de seus truques. O mundo é um espetáculo — e, para Stanley, isso não é uma metáfora. É uma condenação.
Emma Stone, na pele de Sophie, traz à cena aquilo que Stanley menos tolera: a possibilidade de acreditar. Seu carisma e supostos poderes mediúnicos a transformam em um enigma que ameaça desmontar toda a estrutura lógica em que Stanley se apoia. O que deveria ser um desmascaramento racional degenera em um embate entre o que se pode provar e o que se pode sentir. O roteiro, ritmado por “You Do Something to Me”, de Artie Shaw, desliza entre sonho e denúncia, como se quisesse confundir o espectador tanto quanto o próprio protagonista. E Howard Burkan, vivido por Simon McBurney, funciona como o empurrão silencioso que reabre a fenda entre razão e desejo.
O maior truque de Allen talvez seja esse: conduzir o espectador por um ambiente de fantasia controlada para, em seguida, desabrochar — sem que se perceba — uma crítica mordaz sobre os limites da percepção. O embate entre Stanley e Sophie extrapola o conflito de crença x ceticismo; ele esbarra em uma questão mais perturbadora: e se a verdade for, justamente, aquilo que não conseguimos demonstrar? Nesse duelo entre o concreto e o imponderável, o filme se equilibra como um ilusionista no fio da navalha.
A presença de Colin Firth, mesmo destoando um pouco da idade esperada para o papel, confere gravidade a esse embate interno. Ele é um homem que perdeu a fé no improvável — e que, ao topar com o improvável, prefere desconfiar de si mesmo. Já Sophie, encarnada com precisão por Stone, é a antítese: não inocente, mas aberta à ideia de que o mundo pode conter zonas não cartografadas pela razão. A tensão entre ambos nunca se resolve plenamente, mas essa é justamente a mágica: a sugestão de um afeto que se sustenta na contradição.
A comparação com “Meia-Noite em Paris” não se limita à estética nostálgica: ambos os filmes funcionam como experiências sensoriais sobre o tempo, a memória e o autoengano. Mas enquanto lá havia uma espécie de entrega romântica ao passado, aqui reina o atrito. O sentimentalismo é sabotado pelo sarcasmo, e mesmo os momentos mais ternos carregam o peso de uma dúvida insolúvel. Allen não tenta curar seu protagonista — apenas o empurra para um ponto onde a descrença já não oferece abrigo.
Por fim, o que “Magic In The Moonlight” alcança — e poucos filmes ousam tentar — é a encenação de uma batalha metafísica sem didatismo nem condescendência. Ao colocar lado a lado o rigor matemático e o arrebatamento inexplicável, Allen atualiza uma velha pergunta: o que vale mais, entender ou se deixar levar? Não há resposta fácil. Mas há, ao menos, a beleza inquieta de uma narrativa que sabe que o truque mais convincente é aquele que nos faz duvidar da própria dúvida.
★★★★★★★★★★