Num tempo em que inteligência e performance se tornaram ativos transacionáveis, “Sem Limites” oferece mais do que um enredo sobre superação por vias artificiais. Ele levanta a cortina sobre um velho desejo humano, travestido agora de comprimido: a possibilidade de ultrapassar os próprios limites sem pagar o preço integral. Eddie Morra não é um gênio oculto à espera de reconhecimento, mas um fracassado funcional cujo maior talento é flertar com o caos. Quando encontra a droga que reorganiza sua mente em níveis quase sobre-humanos, não parece atingir um novo estágio evolutivo — apenas desloca sua mediocridade para um lugar mais caro.
A inteligência, sob efeito do NZT-48, é convertida em espetáculo. Tudo se torna possível, desde que a fonte mágica não seque. A droga, nesse contexto, é menos uma metáfora do potencial humano e mais um álibi para a desistência de qualquer esforço genuíno. Neil Burger filma com eficiência, mas a alma do filme reside na ambiguidade: o que está em jogo não é o que Morra conquista, mas o que ele silencia para chegar lá. O roteiro de Leslie Dixon, adaptado do romance de Alan Glynn, carrega ecos sombrios de “Flores para Algernon”, mas com uma inversão irônica — aqui, a ascensão não provoca ternura, e sim desconfiança.
Há uma tragédia camuflada no fato de que Morra só se torna funcional ao desligar tudo o que o tornava humano: suas hesitações, seus bloqueios, sua lentidão orgânica. A cena inicial, com ele à beira do precipício, é mais premonitória do que se imagina. Mesmo no auge da performance, a ameaça do colapso ronda cada escolha. O encontro com Vernon, personagem-chave que oferece a droga, soa menos como coincidência e mais como um aceno do destino a alguém incapaz de lidar com a própria opacidade. Ao aceitar o atalho, Morra selaria também o esgotamento da própria autenticidade.
O que diferencia o filme de uma ficção ordinária sobre poder cerebral é a maneira como o protagonismo se decompõe em camadas. Morra é carismático, mas irremediavelmente opaco. Sua eloquência crescente não o torna mais interessante — apenas mais eficiente. E é justamente essa eficiência que atrai o predador corporativo vivido por Robert De Niro, figura que não quer saber o que move o outro, apenas o que pode extrair dele. O embate entre os dois não é moral nem dramático: é puramente pragmático, e isso o torna mais inquietante. Não há redenção possível quando tudo é cálculo.
Bradley Cooper entrega uma performance que se equilibra entre sedução e vazio, e isso é um acerto raro. Sua versão dopada de si mesmo não é mais nobre ou mais forte — apenas mais articulada. O brilho nos olhos substitui a convicção. A trajetória do personagem não é de crescimento, mas de refinamento do controle. Quando enfim parece dominar o jogo, o espectador é convidado a uma pergunta incômoda: a que custo se vence quando já não se sabe o que se perdeu no caminho? “Sem Limites” não responde — e é aí que sua inteligência silenciosa pulsa mais forte.
Ao final, o filme evita a tentação de uma moral edificante. Não oferece lições, nem punições simbólicas. Deixa no ar o desconforto de um mundo onde o talento se torna irrelevante diante da química certa. E se o espectador sai da sessão com um certo fascínio pelo que viu, talvez valha perguntar: estamos admirando a esperteza de Morra ou lamentando que já não reconheçamos mais o valor de conquistar as coisas sem atalhos? O veneno do NZT-48 não está nos efeitos colaterais — está na naturalidade com que aceitamos a trapaça como virtude.
★★★★★★★★★★