Nos anos mais sombrios da ditadura militar no Brasil, a tensão entre repressão e resistência atingiu um ápice dramático com o sequestro do embaixador norte-americano Charles Elbrick, em 1969. “O Que É Isso, Companheiro?” revisita esse episódio crucial, evitando enquadramentos reducionistas e conferindo complexidade a todos os envolvidos. Baseado em fatos reais, o filme reconstrói os bastidores de uma ação desesperada, conduzida por jovens militantes do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8), cujo objetivo era expor, perante a comunidade internacional, as arbitrariedades do regime militar brasileiro.
Diferente de narrativas que simplificam os conflitos ideológicos em dicotomias fáceis, o longa conduz o espectador por um emaranhado de dilemas éticos e políticos. Alan Arkin interpreta um embaixador que se torna refém não apenas dos revolucionários, mas de um contexto histórico que transcende sua própria figura. A interação entre ele e Fernando, jovem militante introspectivo, acrescenta camadas psicológicas raras ao enredo. O roteiro também se aprofunda nas dinâmicas internas do MR-8, revelando um grupo movido por convicções inabaláveis, mas não isento de fragilidades e temores.
A grande força do filme está na recriação do clima de opressão da época, mostrando não apenas no cerco contra os sequestradores, mas na constante ameaça de tortura para quem ousasse desafiar o regime. Uma das cenas mais impactantes retrata um agente da repressão em um momento de vulnerabilidade, tentando justificar seus atos à sua companheira. A frieza com que ele racionaliza suas ações é tão perturbadora quanto a reação de repulsa que provoca nela. Aqui, o filme se recusa a apresentar antagonistas unidimensionais, explorando as contradições humanas sem jamais cair em relativismos fáceis.
A condução narrativa equilibra com precisão o suspense e a verossimilhança histórica. Sem recorrer a artifícios melodramáticos, a direção captura a crescente tensão no cativeiro, enquanto, do outro lado, a máquina repressiva se mobiliza para esmagar qualquer forma de insubordinação. A negociação pela libertação do embaixador em troca de prisioneiros políticos é retratada não apenas como uma estratégia de guerrilha, mas como um ato carregado de simbolismo dentro da luta maior pela democracia.
A fotografia reforça a atmosfera claustrofóbica e angustiante da narrativa. O uso de sombras, planos fechados e tons dessaturados contribui para a imersão no estado de vigilância permanente que caracterizava aqueles tempos. A atuação do elenco imprime autenticidade ao drama, conferindo peso emocional às decisões e hesitações de cada personagem.
“O Que É Isso, Companheiro?” vai além de um relato sobre um evento histórico. Ele funciona como uma reflexão sobre os limites da luta política e os dilemas morais que emergem em tempos de opressão. O filme não apenas documenta um episódio crucial, mas recontextualiza sua relevância ao longo das décadas, encerrando sua narrativa com a redemocratização do Brasil em 1989. A projeção desse evento para um panorama mais amplo confere ao longa uma potência que transcende sua época, transformando-o em uma peça fundamental para compreender os embates que moldaram a história do país. Mais do que um registro, trata-se de uma experiência cinematográfica que desafia o espectador a refletir sobre os ciclos da política e os custos da resistência.
★★★★★★★★★★