Steven Spielberg o chamou de um dos melhores do século. O Oscar ignorou. Agora você pode assistir no Prime Video Divulgação / Freestyle Releasing

Steven Spielberg o chamou de um dos melhores do século. O Oscar ignorou. Agora você pode assistir no Prime Video

Rod Lurie não filma batalhas; ele as interroga. Seu interesse nunca repousa sobre o espetáculo da guerra, mas sobre as ruínas que ela deixa quando cessa o barulho das armas — especialmente as ruínas morais. Em “Faces da Verdade”, o conflito não está nas trincheiras, e sim nas redações, nos tribunais e nos silêncios entre duas pessoas que sabem demais. O filme ignora o apelo das explosões para mirar os escombros da verdade em tempos de manipulação institucional. Lurie compreende que o impacto não está na estética do caos, mas na convulsão silenciosa da ética quando esta colide com os interesses do poder.

Distante da exuberância técnica de produções como “Guerra ao Terror” ou “O Resgate do Soldado Ryan”, o filme adota uma contenção deliberada, como se recusasse participar do jogo de ilusões que critica. O que está em tela é uma provocação moral encenada com precisão e contenção. Lurie abre mão da grandiloquência para investir em um tipo de tensão mais difícil de capturar: aquela que se instala quando a verdade ameaça desmoronar tudo o que sustenta o pacto social. A ausência de pirotecnia não é uma limitação, mas um recurso narrativo coerente com sua tese: os maiores confrontos não têm plateia.

A narrativa é uma ficção com raízes profundas no real. Ao ecoar o caso Judith Miller, jornalista do New York Times que resistiu em revelar uma fonte no rastro das mentiras que sustentaram a invasão do Iraque, o roteiro toca na fratura exposta entre dever público e sobrevivência institucional. Lurie, contudo, não transforma o caso em panfleto. Ele recusa a reconstituição documental em favor de uma dramaturgia que afasta os nomes e aproxima os dilemas. Seu foco está menos no escândalo e mais no preço subjetivo que se paga ao tentar dizer o que não querem ouvir.

Rachel Armstrong, alter ego da jornalista, é menos heroína que obstinada. Sua batalha não é glorificada — é dissecada. O filme desloca o centro de gravidade das questões políticas para os impactos individuais: o vazio que cresce entre mãe e filho, os olhares de reprovação no pátio da escola, o desgaste psicológico da recusa em trair uma convicção. E, ao mesmo tempo, contrapõe a ela a figura de Erica Van Doren, cuja existência é tragada por uma exposição que não escolheu. Não há vilões ou mártires, apenas personagens aprisionados em uma engrenagem que não tolera nuance.

Beckinsale e Farmiga compõem, sim, o eixo emocional da narrativa, mas é no tribunal que o filme revela sua engrenagem de ferro. A prisão de Armstrong por desacato, sua insistência em proteger a fonte mesmo diante de ameaças crescentes, são apenas o início de um segundo ato que abre espaço para figuras como o advogado polido de Alan Alda e o promotor de Matt Dillon — personagens que existem em tons de cinza, e cujas ambições e convicções se embaralham à medida que a tensão cresce. Não há triunfos ali; apenas negociações morais travadas sob holofotes e pressão institucional.

Na reta final, a trama se inclina para o irreversível. O assassinato da espiã, encenado com o absurdo burocrático que marca atentados reais, rompe qualquer ilusão de controle. A segurança nacional, até então argumento difuso, mostra-se voraz, capaz de destruir o que deveria proteger. A questão central — o que vale mais, a verdade ou o pacto de silêncio? — não é resolvida, e essa recusa é deliberada. Lurie sabe que oferecer resposta seria trair a honestidade do dilema. Seu filme não pacifica; ele perturba.

O mérito do longa está justamente em não se render ao conforto das certezas. Em vez de acusar, diagnostica. Em vez de propor saídas, escancara o labirinto. E o faz sem jamais ceder ao maniqueísmo. A escolha de Lurie é clara: abrir feridas, não costurá-las. Em tempos de narrativas higienizadas, essa postura — incômoda, lúcida, corrosiva — é um gesto de coragem rara. O filme atua como um espelho deformado da realidade: aquele que, ao nos devolver a imagem, torna impossível continuar fingindo que não vimos.

Filme: Faces da Verdade
Diretor: Rod Lurie
Ano: 2008
Gênero: Mistério/Thriller
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★