A Universidade de Oxford, com sua atmosfera aristocrática e tradições arraigadas, dificilmente parece um ambiente propício para Oliver Quick, um estudante bolsista que oscila entre a introspecção e o anseio por pertencimento. Sua presença, inicialmente marcada por um deslocamento silencioso, sofre uma guinada ao estabelecer contato com Felix Catton, jovem herdeiro cujo magnetismo e estilo de vida opulento operam como um convite ao desconhecido. O convite para passar o verão na propriedade de sua família, Saltburn, surge como uma promessa de acesso irrestrito a um universo de privilégios, mas logo se revela como um labirinto onde desejo, manipulação e obsessão se entrelaçam de maneira inescapável.
Dirigido por Emerald Fennell, “Saltburn” constrói, em sua primeira metade, um jogo de aparências sedutor, envolvendo o espectador na ambiguidade de suas relações e na tensão subterrânea que permeia cada cena. No entanto, à medida que a narrativa avança, o filme deixa de lado a sutileza para apostar em um espetáculo de excessos, abandonando a possibilidade de um estudo psicológico mais profundo em favor de reviravoltas estilizadas. As referências a “O Talentoso Ripley”, “Teorema” e “O Criado” são evidentes, mas, ao contrário desses clássicos, que mergulham nas dinâmicas de classe e no jogo de poder com rigor e sofisticação, Fennell se contenta em provocar sem aprofundar, resultando em um impacto mais sensorial do que intelectual.
Se a estrutura narrativa oscila entre o promissor e o previsível, a estética visual de “Saltburn” se impõe como um dos seus maiores méritos. A fotografia de Linus Sandgren, com seu formato de tela 1.33:1, intensifica o senso de confinamento e hierarquia, utilizando ângulos pouco convencionais e uma paleta de cores vibrante para transformar a mansão em uma entidade pulsante. A direção de arte de Suzie Davies, o figurino de Sophie Canale e a ambientação meticulosa de Charlotte Dirickx complementam essa construção imagética de maneira irrepreensível, reforçando a dissonância entre a imponência do cenário e a instabilidade emocional que permeia seus ocupantes. A trilha sonora de Anthony Willis, pontuada por escolhas musicais emblemáticas, como “Murder on the Dancefloor”, adiciona camadas de ironia e desconforto, intensificando a atmosfera de decadência disfarçada de esplendor.
O elenco entrega performances que oscilam entre a contenção e o exagero, refletindo a própria dualidade da obra. Barry Keoghan incorpora Oliver Quick com uma fisicalidade peculiar, transitando entre a vulnerabilidade e o cálculo, mas sua trajetória de transformação carece de nuances mais orgânicas. Jacob Elordi, como Felix, equilibra carisma e superficialidade com precisão, enquanto Rosamund Pike se destaca ao imprimir doses exatas de sarcasmo e excentricidade à matriarca Elspeth. Richard E. Grant, embora subaproveitado, adiciona um toque de ironia ao patriarca da família, enquanto Archie Madekwe entrega uma composição que, em sua excessiva caricatura, enfraquece a tensão dramática.
“Saltburn” é um filme que desconstrói a elite britânica e seus jogos de poder, mas sua execução resvala na previsibilidade de suas influências e na falta de um subtexto mais robusto. Seu impacto não está na profundidade da reflexão que propõe, mas na intensidade de suas imagens e na atmosfera de provocação estética. O que permanece não é a complexidade de seus personagens ou a originalidade de sua narrativa, mas a forma como sua exuberância visual e seu gosto pelo grotesco conseguem manter o espectador magnetizado, ainda que a substância desse fascínio se dissolva rapidamente após os créditos finais.
★★★★★★★★★★