A Netflix esconde um filme que transforma 85 minutos na experiência mais angustiante que você vai encarar esta semana Divulgação / Synapse Distribution

A Netflix esconde um filme que transforma 85 minutos na experiência mais angustiante que você vai encarar esta semana

A superfície de um filme como “Tubarão: Mar de Sangue” parece previsível demais para esconder qualquer profundidade. Um grupo de jovens inconsequentes, um mar azul-turquesa que engana, e um tubarão faminto que, pontualmente, repete sua função de sempre: devorar o excesso. Mas quando o diretor James Nunn se propõe a revisitar o território marcado por “Tubarão” (1975), ele não tenta competir com a genialidade de Steven Spielberg — ele a contorna. O que nasce dessa decisão é um filme que opera não na reinvenção do gênero, mas na torção sutil de seus códigos. O horror aqui não está apenas nos dentes, mas na repetição mecânica de comportamentos humanos que insistem em flertar com o abismo como se fosse um espelho d’água.

Há um dado estrutural importante: a tensão em “Tubarão: Mar de Sangue” não está no monstro, mas no atraso da violência. Nunn compreende que o que sustenta o terror não é o susto, mas a espera. O roteiro de Nick Saltrese conduz esse jogo com a precisão de quem sabe que o espectador moderno já viu tudo — e, por isso mesmo, precisa ser conduzido pelo incômodo, não pela surpresa. A morte, quando vem, não é gratuita: é a interrupção da alienação. Os personagens que ocupam a cena não têm profundidade dramática, mas funcionam como símbolos: são o excesso hedonista, a distração permanente, a juventude consumida pela própria indiferença. E a protagonista, Nat (Holly Earl), sobrevive não por ser excepcional, mas por ser a única que escuta o mundo ao redor antes de falar sobre si mesma.

O filme avança, então, por duas camadas: a visível — sangrenta, ruidosa, grotesca em sua plasticidade B — e a subterrânea, onde se deposita um comentário inesperado sobre coletividade, culpa e sobrevivência emocional. O triângulo entre Nat, Tom e Milly não é um enredo romântico: é a encenação dos afetos frágeis e das lealdades convenientes que colapsam sob pressão. Cada gesto de generosidade é suspeito. Cada sacrifício, ambíguo. Quando alguém morre, não há luto: há reposicionamento. E é nesse desconforto emocional que o filme mais acerta — não no susto, mas no silêncio que o sucede.

Nunn não tenta dourar o trash. Os efeitos visuais são precários. A atuação, oscilante. Mas é justamente essa precariedade que sustenta a autenticidade do filme: ao recusar o verniz técnico da superprodução, “Tubarão: Mar de Sangue” se aproxima mais do cinema de guerrilha do que do espetáculo marinho. Há algo de artesanal em sua composição — e de metalinguístico também. Como se o próprio filme soubesse que não está à altura do cânone, e por isso mesmo tivesse licença para fazer perguntas mais incômodas. Não “quem vai morrer?”, mas “por que seguimos agindo como se não fosse com a gente?”.

O mérito de Nunn está em entender que o horror não precisa explicar a si mesmo — basta sugerir que o mundo como o conhecemos já é suficientemente absurdo. Ao inverter a lógica do herói clássico e permitir que a sobrevivente seja uma mulher cansada, deslocada, arrastada para o perigo contra a vontade, o filme insinua que o instinto é mais confiável do que a moral. E que, no fim, sobreviver não é uma prova de caráter — é uma habilidade social, sensorial e, acima de tudo, silenciosa.

“Mar de Sangue” não quer ser lembrado. E talvez por isso mesmo ele permaneça. Não como marco técnico, mas como pequena cicatriz na memória de quem assiste — aquela que você não sente ao tocar, mas que arde quando a água do mar encosta.

Filme: Tubarão: Mar de Sangue
Diretor: James Nunn
Ano: 2022
Gênero: horror/Thriller
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★