Os retratos mais difundidos da realeza britânica costumam focar no esplendor consolidado de seus monarcas, quando já se tornaram figuras de autoridade inquestionável. “A Jovem Rainha Victoria”, no entanto, desloca esse olhar para os anos iniciais de um dos reinados mais longos da história do Reino Unido, examinando não apenas os desafios políticos e familiares enfrentados por uma soberana ainda inexperiente, mas também a evolução de sua personalidade enquanto aprendia a equilibrar dever e desejo.
A produção, que conta com a influência da Duquesa de York, Sarah Ferguson, e uma discreta aparição de sua filha, a princesa Beatrice, abraça a missão de dar substância ao período formativo de Victoria, abordando desde os jogos de poder travados nos bastidores do palácio até a forja de sua identidade como governante. A narrativa se sustenta em três pilares principais: a relação conturbada com sua mãe, a Duquesa de Kent, influenciada pelo calculista Sir John Conroy; o vínculo romântico e estratégico com o princípe Albert, permeado por interesses dinásticos; e a Crise do Quarto de Dormir de 1839, um episódio emblemático que expõe as tensões entre a monarquia e o parlamento.
A dinâmica entre Victoria e sua mãe é dominada pelo espectro de Conroy, um homem cujas ambições excediam sua posição oficial. Como chefe do Kensington System, ele tentava controlar cada aspecto da vida da jovem herdeira, conduzindo-a como uma marionete política. O filme enfatiza a opressão que Victoria sofreu e a decisão crucial de se libertar dessa tutela ao assumir o trono. O príncipe Albert, por sua vez, surge como um parceiro tanto no amor quanto na administração do poder, desafiando a imagem passiva frequentemente atribuída a ele na historiografia popular.
A Crise do Quarto de Dormir é retratada com a pompa de um thriller político. Ao recusar-se a demitir as damas de compahia associadas ao partido Whig, Victoria desafiou a convenção de neutralidade monárquica, criando um impasse que levou à renúncia do primeiro-ministro e à ascensão dos conservadores. O roteiro de Julian Fellowes traz às cenas um viés claramente inclinado aos Tories, com Lord Melbourne apresentado como um estadista envolvente, mas pragmático, enquanto Robert Peel, líder conservador, emerge como a única figura verdadeiramente incorruptível. Essa escolha estilística mascara o histórico de resistência dos Tories a reformas democráticas essenciais, como a Lei da Reforma de 1832, que reduziu a corrupção eleitoral.
Ainda que a narrativa se mantenha fiel ao esqueleto histórico, há licenças dramáticas que, por vezes, distorcem os fatos. Um exemplo flagrante é a cena em que Albert se coloca como escudo humano para proteger Victoria de um atentado — um evento que, na realidade, jamais ocorreu. Esse tipo de liberdade criativa adiciona tensão ao enredo, mas também reforça uma leitura mais romântica e idealizada do papel de Albert na vida da rainha.
No elenco, Emily Blunt oferece uma interpretação magnética de Victoria, equilibrando fragilidade e força de maneira convincente. Sua performance evita transformar a jovem monarca em um ícone estático, conferindo-lhe humanidade e vigor. Ao lado dela, Rupert Friend constrói um Albert que vai além da mera função de consorte, apresentando-o como um homem de inteligência afiada e propósitos definidos. Entre os coadjuvantes, Miranda Richardson e Mark Strong brilham ao compor uma Duquesa de Kent manipuladora e um Sir John Conroy dignamente desprezível, enquanto Jim Broadbent injeta humor ao papel do temperamental Rei Guilherme IV.
O design de produção captura a grandiosidade do período vitoriano, com figurinos ricamente detalhados e uma fotografia que exalta os contrastes entre os ambientes opulentos da corte e os corredores soturnos onde as tramas políticas se desenrolam. Mas apesar da primorosa reconstituição de época, a direção se mantém dentro de uma estrutura bastante tradicional, sem os arrojos estilísticos que poderiam elevar a experiência cinematográfica a um patamar mais inovador.
“A Jovem Rainha Victoria” tem a capacidade de transformar um período de transição em uma narrativa envolvente, sem se perder na armadilha de meramente estetizar a história. Embora peque em certas romantizações e escolhas tendenciosas, a força de seu elenco e a inteligência de sua estrutura dramática garantem que a produção se mantenha instigante.
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