O primeiro filme documental da Netflix a liderar o Top 1 mundial em 2025, no dia da estreia Divulgação / Netflix

O primeiro filme documental da Netflix a liderar o Top 1 mundial em 2025, no dia da estreia

Para quem ainda teima em duvidar do agravamento das questões climáticas, “Tornado: Joplin em Ruínas” talvez seja mera ficção. Mas uma ficção muito, muito convincente: no domingo, 22 de maio de 2011, 161 moradores de Joplin, Missouri, no Centro-Leste americano, acabaram mortos depois que um paredão de ventos e chuva alcançou a pacata cidadezinha, transformando-a num amontoado de escombros por entre os quais jaziam cadáveres que guardavam consigo a vaga esperança de um reencontro depois do caos. Tarimbada, Alexandra Lacy relembra a tragédia unindo imagens documentais e computação gráfica, atentando especialmente para os depoimentos de quem sobreviveu àquele inferno. A diretora colhe declarações capazes de estarrecer quem nunca pôde imaginar o que é bater de frente com um tornado EF5, o mais intenso, e reacende a agonia dos entrevistados, até hoje meio incrédulos com a experiência.

Em Joplin, há tantas igrejas quanto McDonald’s, diz Cecil Cornish, à época um balconista da Andy’s Frozen Custard, na rua Rangeline, uma das mais movimentadas da cidade. Na fivela do Cinturão da Bíblia, muita gente em Joplin estava certa de que a véspera daquele 22 de maio de catorze anos atrás era o dia do juízo final, o apocalipse sobre o qual pregavam televangelistas como Harold Camping (1921-2013), dando ares de tresloucado fanatismo a uma resposta da natureza à irresponsabilidade humana com o ambiente. Homossexual assumido, Cornish temia o tal Arrebatamento, ideia que Lacy desenvolve mais detidamente no princípio do terceiro ato, quando o então balconista, cristão, se comove ao expor o baque por ter continuado neste plano, o que, para ele, era um sinal divino de que sua conduta não O agradava e o rapaz estaria condenado a vagar pela Terra, só e tomado pela culpa. Enquanto isso, “Tornado” junta depoimentos de outros seis jovens, alguns recém-saídos da formatura do ensino médio, horas antes da hecatombe.

Interessado em maconha e torneios de bicicross, Steven Weersing, foi surpreendido com colegas dentro de uma caminhonete enquanto cruzavam a Rota 66. O grupo foi alçado a cerca de cinquenta metros, e em questão de segundos, o vendaval sugou Weersing para fora do veículo. Depois de algumas fraturas e da batalha para manter-se desperto, ele foi resgatado e conduzido a um hospital, apenas para saber que  fora acometido de uma zigomicose, uma rara contaminação por fungos que custou-lhe a remoção de uma quantidade considerável de tecidos moles como músculos, tendões e nervos, além do mamilo direito, várias costelas, partes do pulmão e fígado e até um pedaço do coração.

Weersing tinha algo como 5% de chance de sobrevivência e, durante a recuperação, teve a chance de um merecido recomeço, com as visitas diárias do pai, um viciado em crack que afundara-se na drogadição depois do fim do casamento. “Tornado: Joplin em Ruínas” fecha com o Garoto Milagre, como passou a ser chamado, agora um afortunado pai de família, porém não doura a pílula: ou o homem entende que é apenas um minúsculo elemento a integrar o misterioso esplendor do universo, ou que comece mesmo a rezar.

Filme: Tornado: Joplin em Ruínas
Diretor: Alexandra Lacey
Ano: 2025
Gênero: Documentário
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★
Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.