Comédia de Jeff Baena, recém-falecido marido de Aubrey Plaza, se inspira em clássico da literatura está na Netflix Divulgação / GEM Entertainment

Comédia de Jeff Baena, recém-falecido marido de Aubrey Plaza, se inspira em clássico da literatura está na Netflix

Inspirado na veia satírica de “O Decamerão”, “A Comédia dos Pecados” transforma um convento medieval em um palco de transgressão e hipocrisia, onde a devoção religiosa se desfaz diante dos desejos mundanos. O enredo acompanha três freiras cuja conduta passa longe da santidade esperada: entregam-se a paixões proibidas, embriagam-se sem remorso e, nos momentos mais inusitados, flertam com práticas de feitiçaria. O catalisador dessa anarquia conventual é a chegada de um jovem camponês, que, fingindo ser surdo-mudo, torna-se alvo da curiosidade e do apetite das religiosas. Em vez de se inclinar ao drama, a narrativa abraça o cômico com acidez, expondo, sob o verniz da irreverência, as tensões entre repressão e desejo.

Desde os primeiros minutos, a comédia escancarada se impõe. As protagonistas, vividas por Aubrey Plaza, Alison Brie e Kate Micucci, transitam por uma rotina claustrofóbica, quebrada por diálogos recheados de anacronismos e uma linguagem propositalmente dissonante do contexto histórico. A subversão verbal se torna um espelho mordaz da hipocrisia embutida nas convenções sociais e religiosas, satirizando instituições que insistem em reprimir impulsos humanos. Quando o personagem de Dave Franco ingressa nesse microcosmo, instaura-se um jogo de sedução caótico, onde cada freira, movida por motivações particulares, disputa sua atenção com investidas que beiram o absurdo.

O humor da narrativa nasce da colisão entre a expectativa e a conduta flagrantemente transgressora das personagens. Fernanda, a mais intempestiva, oscila entre acessos de ira e impulsos de luxúria desenfreada, transformando cada cena em um embate de opostos. Alessandra, dominada pelo anseio de escapar do convento, enxerga no forasteiro a chance de uma nova vida. Genevra, inicialmente a mais reprimida, revela-se surpreendente ao se entregar àquilo que sempre reprimiu. O trio sustenta a energia frenética do longa, explorando com maestria as contradições do universo religioso através de performances que equilibram histrionismo e timing cômico.

Embora a premissa se baseie em um único artifício — a presença masculina como elemento desestabilizador em um ambiente de clausura —, o filme se mantém pela atuação afiada do elenco e por um roteiro que joga com estereótipos sem resvalar na previsibilidade. John C. Reilly, interpretando um padre complacente e afundado no vinho, adiciona camadas à crítica, ampliando o escopo satírico ao atingir não apenas a hipocrisia conventual, mas também a corrupção clerical como um todo. A direção evita cair no panfleto anticlerical e, em vez disso, usa a paródia como ferramenta para desnudar as contradições universais das instituições moralistas.

Se há um ponto de inflexão questionável, está na tentativa de inserir um tom dramático na reta final. A busca por profundidade emocional destoa da proposta inicial, como se a narrativa hesitasse em sustentar sua própria irreverência até o último quadro. Para um filme que prospera no deboche e na desconstrução, o flerte com o sentimentalismo soa como uma concessão desnecessária.

Ainda assim, “A Comédia dos Pecados” é uma experiência cômica singular, um retrato debochado de uma era que, sob a pompa da devoção religiosa, abrigava os mesmos impulsos e contradições de qualquer sociedade. O elenco claramente se diverte em cena, e essa energia transborda para o público, garantindo uma experiência que, se não pretende ser memorável, ao menos entrega um espetáculo de humor desregrado e provocativo.

Filme: Comédia dos Pecados
Diretor: Jeff Baena
Ano: 2017
Gênero: Comédia/Romance
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★