Inspirado na veia satírica de “O Decamerão”, “A Comédia dos Pecados” transforma um convento medieval em um palco de transgressão e hipocrisia, onde a devoção religiosa se desfaz diante dos desejos mundanos. O enredo acompanha três freiras cuja conduta passa longe da santidade esperada: entregam-se a paixões proibidas, embriagam-se sem remorso e, nos momentos mais inusitados, flertam com práticas de feitiçaria. O catalisador dessa anarquia conventual é a chegada de um jovem camponês, que, fingindo ser surdo-mudo, torna-se alvo da curiosidade e do apetite das religiosas. Em vez de se inclinar ao drama, a narrativa abraça o cômico com acidez, expondo, sob o verniz da irreverência, as tensões entre repressão e desejo.
Desde os primeiros minutos, a comédia escancarada se impõe. As protagonistas, vividas por Aubrey Plaza, Alison Brie e Kate Micucci, transitam por uma rotina claustrofóbica, quebrada por diálogos recheados de anacronismos e uma linguagem propositalmente dissonante do contexto histórico. A subversão verbal se torna um espelho mordaz da hipocrisia embutida nas convenções sociais e religiosas, satirizando instituições que insistem em reprimir impulsos humanos. Quando o personagem de Dave Franco ingressa nesse microcosmo, instaura-se um jogo de sedução caótico, onde cada freira, movida por motivações particulares, disputa sua atenção com investidas que beiram o absurdo.
O humor da narrativa nasce da colisão entre a expectativa e a conduta flagrantemente transgressora das personagens. Fernanda, a mais intempestiva, oscila entre acessos de ira e impulsos de luxúria desenfreada, transformando cada cena em um embate de opostos. Alessandra, dominada pelo anseio de escapar do convento, enxerga no forasteiro a chance de uma nova vida. Genevra, inicialmente a mais reprimida, revela-se surpreendente ao se entregar àquilo que sempre reprimiu. O trio sustenta a energia frenética do longa, explorando com maestria as contradições do universo religioso através de performances que equilibram histrionismo e timing cômico.
Embora a premissa se baseie em um único artifício — a presença masculina como elemento desestabilizador em um ambiente de clausura —, o filme se mantém pela atuação afiada do elenco e por um roteiro que joga com estereótipos sem resvalar na previsibilidade. John C. Reilly, interpretando um padre complacente e afundado no vinho, adiciona camadas à crítica, ampliando o escopo satírico ao atingir não apenas a hipocrisia conventual, mas também a corrupção clerical como um todo. A direção evita cair no panfleto anticlerical e, em vez disso, usa a paródia como ferramenta para desnudar as contradições universais das instituições moralistas.
Se há um ponto de inflexão questionável, está na tentativa de inserir um tom dramático na reta final. A busca por profundidade emocional destoa da proposta inicial, como se a narrativa hesitasse em sustentar sua própria irreverência até o último quadro. Para um filme que prospera no deboche e na desconstrução, o flerte com o sentimentalismo soa como uma concessão desnecessária.
Ainda assim, “A Comédia dos Pecados” é uma experiência cômica singular, um retrato debochado de uma era que, sob a pompa da devoção religiosa, abrigava os mesmos impulsos e contradições de qualquer sociedade. O elenco claramente se diverte em cena, e essa energia transborda para o público, garantindo uma experiência que, se não pretende ser memorável, ao menos entrega um espetáculo de humor desregrado e provocativo.
★★★★★★★★★★