A essência de um thriller psicológico verdadeiramente impactante está na habilidade de manipular percepções, desestabilizar expectativas e explorar as sombras mais recônditas da mente humana. O cinema sul-coreano, com sua tradição de tensionar as fronteiras entre moralidade e obsessão, entrega aqui um estudo fascinante sobre fé, culpa e redenção distorcida. Mais do que um relato sobre sequestro e violência, a narrativa nos conduz por um caminho tortuoso em que crenças são testadas e limites são corroídos pelo peso de traumas não resolvidos.
No epicentro desse enredo está Min-Chan, um pastor cuja aparente benevolência esconde camadas de conflitos internos. Quando um assassino cruel, obcecado por uma figura enigmática conhecida como o “monstro de um olho só”, cruza seu caminho, a linha entre providência divina e delírio se torna perigosamente tênue. Um evento brutal altera sua percepção de mundo, levando-o a reinterpretar a violência como um sinal celestial. Sua jornada, que poderia ser um caminho de expiação, se converte em uma busca febril por justificação espiritual, onde a racionalidade é esmagada pelo fervor cego.
Paralelamente, a trama se desdobra com Yeon Hui, uma investigadora cuja existência também é moldada por cicatrizes do passado. Enquanto Min-Chan se refugia no fanatismo para fugir da realidade, Yeon Hui se ancora na lógica e na obstinação, buscando compreender os horrores que a rodeiam sem permitir que se tornem desculpas para sua própria destruição. Essa dualidade entre os protagonistas não apenas fortalece a narrativa, mas também amplia a discussão sobre os diferentes caminhos que um indivíduo pode seguir ao enfrentar o sofrimento: um se agarra a uma força invisível que justifique seus atos, o outro encara seus demônios de frente, sem subterfúgios.
O que torna essa história ainda mais angustiante é a maneira como transtornos psicológicos e violência se entrelaçam. O antagonista, em vez de ser um vilão genérico, é retratado como um produto de dores profundas, um homem que encontrou na brutalidade um meio de expressar seu desespero. A narrativa evita a armadilha de oferecer respostas simplistas, preferindo insinuar que a maldade não surge no vácuo, mas como uma consequência de feridas que jamais cicatrizaram. Da mesma forma, a fé, que poderia ser um refúgio, é retratada também como um instrumento de autoengano, capaz de transformar dogmas em desculpas para atos imperdoáveis.
A direção se alia a um roteiro meticuloso e performances intensas para sustentar esse mergulho na complexidade humana. Ryu Jun-yeol entrega uma atuação arrebatadora, transmitindo as contradições e tormentos de seu personagem com uma presença magnética. Seus silêncios são tão eloquentes quanto suas falas, e sua evolução ao longo da trama acentua ainda mais a força do conflito moral em jogo. Cada expressão, cada olhar carregado de angústia, reforça a intensidade emocional da história, transformando cada cena em uma peça essencial desse quebra-cabeça psicológico.
Embora o filme demonstre uma maestria quase irretocável, sua conclusão poderia ter sido mais contundente. Os momentos finais não carregam o impacto arrebatador que a narrativa construiu com tanto primor, deixando algumas questões abertas sem a mesma sofisticação demonstrada até ali. Ainda assim, a jornada até esse desfecho é uma experiência instigante e perturbadora, que desafia o espectador a refletir sobre os perigos da convicção absoluta e os abismos que se abrem quando a fronteira entre redenção e condenação se torna indistinguível.
★★★★★★★★★★