Na Netflix: romance na belíssima São Petersburgo vai te transportar para um cenário mágico e você vai se sentir dentro de um espetáculo de Tchaikovsky Divulgação / Kinostar Filmverleih

Na Netflix: romance na belíssima São Petersburgo vai te transportar para um cenário mágico e você vai se sentir dentro de um espetáculo de Tchaikovsky

Entre a grandiosidade de sua estética e as limitações de sua crítica social, “Cidade de Gelo” se coloca no imaginário de uma São Petersburgo pré-revolucionária, onde os contrastes entre a opulência aristocrática e a precariedade proletária moldam não apenas o cenário, mas também o destino de seus personagens. O filme conduz o espectador por um deslumbre visual cuidadosamente elaborado, no qual figurinos exuberantes e uma direção de arte primorosa recriam um mundo prestes a ruir. No entanto, sob essa superfície de encantamento, a obra oscila entre um melodrama romântico tradicional e uma tentativa tímida de reflexão política, sem jamais aprofundar-se em suas possibilidades mais provocativas.

A trama acompanha Matvey, um jovem proletário que trabalha como entregador sobre patins, e Alisa, filha de um influente ministro, cuja vida segue o roteiro pré-determinado da aristocracia. O encontro de ambos não se dá apenas como um artifício narrativo de contraste social, mas como um reflexo das tensões latentes da época. Matvey, envolvido com um grupo de ladrões que utiliza a destreza sobre o gelo para roubar a elite, representa a inquietação e a insatisfação crescentes entre as camadas populares. Alisa, por sua vez, almeja um futuro distinto do que lhe foi imposto, nutrindo o desejo de ingressar na ciência, ainda que a rigidez dos costumes tente silenciá-la. São personagens que carregam consigo o anseio por ruptura, mas cujas trajetórias permanecem reféns de um roteiro que privilegia a forma em detrimento da substância.

O filme brilha em sua construção visual, onde cada cena é desenhada para impressionar. A fotografia valoriza tanto os salões aristocráticos iluminados por lustres imponentes quanto as vielas escuras onde a sobrevivência é um jogo de sorte. As sequências sobre o gelo, em especial, são coreografadas com precisão, conferindo dinamismo e impondo um ritmo que contrasta com a solenidade dos diálogos. Fedor Fedotov e Sonia Priss entregam performances que, embora competentes, pouco conseguem transcender os arquétipos nos quais seus personagens foram moldados. Existe carisma, mas falta complexidade emocional que sustente a evolução da narrativa.

Quando se trata de seu posicionamento político, “Cidade de Gelo” hesita em se comprometer. Ambientado em um período marcado pela efervescência revolucionária, o filme flerta com a ideia da insatisfação social, mas sem se aprofundar em suas raízes ou consequências. A gangue liderada por Alexey Tarasov encarna um ímpeto de rebeldia que jamais se solidifica como um discurso coerente; são figuras que orbitam entre a marginalidade e o oportunismo, sem que sua luta seja devidamente contextualizada. Paralelamente, os aristocratas são retratados sob uma ótica romantizada, dando-lhes um ar de nostalgia que suaviza a desigualdade estrutural e neutraliza qualquer crítica mais incisiva.

Ainda que suas ambições narrativas fiquem aquém do esperado, “Cidade de Gelo” demonstra sua força na grandiosidade de sua encenação. Há um fascínio inerente em sua atmosfera de conto, onde o amor se desenrola ao som de valsas que embalam não apenas os personagens, mas também um mundo que está prestes a ser engolido pela história. O filme não subverte expectativas nem redefine seu gênero, mas cumpre com eficiência o papel de transportar o espectador a um passado de esplendor visual, onde as promessas de mudança soam mais como uma melodia distante do que como um chamado real à transformação.

Filme: Cidade de Gelo
Diretor: Michael Lockshin
Ano: 2021
Gênero: Aventura/Drama/Romance
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★