Em “Sem Rastros”, Debra Granik concebe um relato de rara sensibilidade sobre os limites entre pertencimento e isolamento. A cineasta, conhecida por seu olhar humanista e sua abordagem minimalista, explora a relação entre um pai e sua filha que, vivendo à margem da sociedade, constroem um universo próprio em meio à natureza. No entanto, essa bolha autossuficiente colide inevitavelmente com as normas sociais, desencadeando um embate silencioso entre liberdade e conformidade. Longe de ser uma narrativa convencional sobre desajuste, o filme se desdobra como uma reflexão sutil sobre escolhas, traumas e vínculos humanos.
Desde os primeiros instantes, a obra se mostra uma experiência sensorial. A câmera de Granik observa seus personagens com uma delicadeza quase documental, capturando gestos e silêncios que dizem mais do que diálogos explicativos jamais poderiam. A floresta, mais do que um cenário, é um espaço psicológico: para Will, um ex-combatente atormentado pelo passado, representa refúgio e proteção; para Tom, sua filha, é um mundo de descobertas, mas também uma prisão invisível. Essa dualidade se torna o eixo da narrativa, intensificando a tensão quando ambos são obrigados a retornar à sociedade.
O impacto emocional do filme se sustenta na força de suas atuações. Ben Foster entrega um desempenho contido e visceral, traduzindo em pequenos movimentos a dor de um homem incapaz de se reintegrar ao cotidiano. Já Thomasin McKenzie confere à sua personagem uma complexidade cativante: sua Tom não é apenas uma jovem curiosa sobre o mundo exterior, mas alguém que, ao longo da trama, descobre sua própria identidade em contraste com a do pai. O vínculo entre ambos é genuíno e profundo, mas, conforme Tom experimenta novas possibilidades, torna-se evidente que suas trajetórias podem não convergir para o mesmo destino.
O roteiro evita armadilhas convencionais. Não há vilões caricatos, nem julgamentos morais impostos ao espectador. Os agentes sociais que tentam reinserir Will e Tom no sistema não são retratados como figuras opressivas, mas como peças de uma engrenagem que não sabe lidar com aqueles que optam por um caminho alternativo. Essa ausência de maniqueísmo reforça a humanidade da história e amplia seu impacto. Granik compreende que os dilemas da existência não se resolvem em dicotomias simplistas; em vez disso, ela permite que os personagens naveguem por suas próprias contradições, deixando o público imerso em suas inquietações.
“Sem Rastros” vai além de sua proposta ao se tornar uma experiência profundamente reflexiva. A obra provoca questionamentos sobre pertencimento, sobrevivência emocional e a dificuldade de conciliar liberdade e estrutura. É um filme que exige envolvimento do espectador, que o convida a olhar para seus personagens com empatia e, sobretudo, a entender que nem todos os destinos podem ser compartilhados. Granik, mais uma vez, prova que a força do cinema não está na grandiosidade dos gestos, mas na honestidade dos detalhes.
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