Sabe aquela série que você começa e já quer indicar pra todo mundo? Estreou na Netflix Erin Simkin / Netflix

Sabe aquela série que você começa e já quer indicar pra todo mundo? Estreou na Netflix

A morte cai bem a muita gente. Todavia, depois da visita da Indesejada, uma vasta legião de pobres-diabos não consegue nem subir ao Céu nem ser admitido no submundo, e precisam arranjar uma torre de igreja, uma praia deserta ou um casarão abandonado para servir-lhe de abrigo. Todos padecemos de males de que só nós mesmos temos a dimensão, e nem sempre é possível escalar a muralha de desafios que separa-nos dos outros sofredores, todos ligados por um fastio moral que nos humilha e também nos absolve.

Nessas criaturas, entretanto, cristaliza-se uma dor tão imensurável que tudo quanto possam fazer de mais assustador resvala no cômico, e qualquer um é capaz de sentir-lhes pena. Esse parece ser o destino de A. B. Wynter, o mordomo-chefe da residência oficial do chefe de Estado americano, cuja passagem para uma outra dimensão é responsável pelo movimento inicial de “Assassinato na Casa Branca”. A nova série em dez episódios escrita pelo advogado Paul William Davies com produção caprichada da Shondaland, da todo-poderosa Shonda Rhimes, reoxigena clichês que funcionam, mas nem sempre. Baseado em “The Residence: Inside the Private World of the White House” (“a residência: por dentro do mundo privado da Casa Branca”; 2015), da jornalista Kate Andersen Brower, o roteiro de Davies mistura suspense e muita comédia, mudando o eixo narrativo de Wynter para Cordelia Cupp, a detetive que leva a termo averiguações sobre o tal assassinato na Casa Branca durante um show de Kylie Minogue (!).

O governo dos Estados Unidos planeja estreitar relações com a Austrália, por isso convidou uma de suas maiores estrelas para apresentar-se na Ala Oeste, o que não deixa de ser inusitado. Hugh Jackman, dizem, está na plateia, e ninguém suspeita que na cobertura jaz o corpo do empregado, esperando por Cordelia, uma ornitóloga amadora que observa as corujas e mariquitas com seu binóculo à Sherlock Holmes. Pouco antes, Nan Cox, a sogra do presidente interpretada por Jane Curtin, gritava a plenos pulmões ao ver o cadáver estendido no chão de seu quarto, e ela é a primeira a ser interrogada por Cordelia, que já fareja algo de esdrúxulo — além da manifesta antipatia da velha pelo companheiro do filho.

A investigadora não vê a hora de percorrer os 132 quartos e interpelar os 157 suspeitos, mas antes garantir que seu trabalho será feito sem despertar ainda mais transtornos, empecilho que talvez não contorne, uma vez que ninguém coopera. Limitado a um nicho de que não parece querer sair, “Assassinato na Casa Branca” passa longe do desempenho de “Inventando Anna” (2022), outro produto da Shondaland, e, claro, do grande sucesso de “Bridgerton” (2020-2024), o melodrama histórico que superou as  expectativas mais rosicleres. Na pele de Cordelia Cupp, Uzo Aduba também se sai melhor que a encomenda, mas um galo sozinho não tece manhãs. 


Série: Assassinato na Casa Branca
Criação: Paul William Davies
Ano: 2025
Gêneros: Mistério/Comédia 
Nota: 7/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.