Adam McKay constrói em “Não Olhe Para Cima” um espelho inclemente de uma sociedade onde a irracionalidade não apenas prolifera, mas se institucionaliza. Em vez de uma mera paródia do presente, o filme se constrói como uma autópsia do colapso coletivo, expondo a corrosão da confiança na ciência, o esvaziamento do debate público e a fragilidade das instituições diante da futilidade. A catástrofe iminente, representada pelo cometa que ruma inexoravelmente em direção à Terra, não é apenas um evento de ficção científica, mas uma metáfora crua da incapacidade contemporânea de reagir a perigos evidentes.
O longa se escora em uma comicidade corrosiva que, longe de atenuar a gravidade do que denuncia, amplifica o desconforto. A opção por um tom deliberadamente histriônico e hiperbólico pode parecer excessiva, mas revela-se uma escolha narrativa coesa: a própria realidade já ultrapassou a fronteira do absurdo, e qualquer tentativa de sutileza poderia soar ineficaz. Nesse sentido, McKay dialoga com filmes como “Rede de Intrigas” e “Obrigado por Fumar”, explorando o cinismo como ferramenta crítica e a banalização da tragédia como síndrome da era midiática.
A trama se desenrola em um cenário onde a política é reduzida a estratégias eleitorais, a imprensa se entrega ao entretenimento vazio e a sociedade se anestesia diante do caos. As figuras de liderança, distantes de qualquer senso de responsabilidade, orbitam seus próprios interesses imediatos, enquanto a opinião pública se divide entre a negação absoluta e a distração frívola. Esse retrato, por mais exagerado que pareça, encontra ressonância em crises recentes, da pandemia à emergência climática, evidenciando um ciclo de inércia e irresponsabilidade sistematizado.
A atuação de Leonardo DiCaprio e Jennifer Lawrence ancoram a narrativa em um realismo emocional que contrasta com o caos ao redor. Suas performances transitam entre o desespero e a incredulidade, tornando palpável a frustração de quem, mesmo diante de provas incontestáveis, é incapaz de mobilizar uma reação coletiva eficaz. O restante do elenco reforça essa dinâmica, com atuações que oscilam entre a caricatura e o desdém, refletindo uma sociedade que flutua entre o delírio e a apatia.
No entanto, apesar de sua contundência, sua abordagem excessiva pode afastar parte do público, e algumas escolhas estéticas poderiam ter sido refinadas para maximizar seu impacto. A relação entre os personagens centrais poderia ser mais explorada, trazendo nuances adicionais ao drama pessoal inserido na catástrofe global. Da mesma forma, a trilha sonora, em alguns momentos, poderia ser utilizada de forma mais incisiva para amplificar as tensões.
Ainda assim, a força de “Não Olhe Para Cima” está na maneira como desnuda o cinismo contemporâneo sem recorrer a concessões. Não é um filme que busca consenso ou conforto; ao contrário, desafia o espectador a encarar sua própria complacência. Ao final, o que permanece é um incômodo inescapável: diante do inevitável, seguimos discutindo irrelevâncias enquanto o impacto se aproxima.
★★★★★★★★★★