Indicado a 4 Oscars, terceiro filme mais visto da história da Netflix teve 171 milhões de visualizações em todo mundo Niko Tavernise / Netflix

Indicado a 4 Oscars, terceiro filme mais visto da história da Netflix teve 171 milhões de visualizações em todo mundo

Adam McKay constrói em “Não Olhe Para Cima” um espelho inclemente de uma sociedade onde a irracionalidade não apenas prolifera, mas se institucionaliza. Em vez de uma mera paródia do presente, o filme se constrói como uma autópsia do colapso coletivo, expondo a corrosão da confiança na ciência, o esvaziamento do debate público e a fragilidade das instituições diante da futilidade. A catástrofe iminente, representada pelo cometa que ruma inexoravelmente em direção à Terra, não é apenas um evento de ficção científica, mas uma metáfora crua da incapacidade contemporânea de reagir a perigos evidentes.

O longa se escora em uma comicidade corrosiva que, longe de atenuar a gravidade do que denuncia, amplifica o desconforto. A opção por um tom deliberadamente histriônico e hiperbólico pode parecer excessiva, mas revela-se uma escolha narrativa coesa: a própria realidade já ultrapassou a fronteira do absurdo, e qualquer tentativa de sutileza poderia soar ineficaz. Nesse sentido, McKay dialoga com filmes como “Rede de Intrigas” e “Obrigado por Fumar”, explorando o cinismo como ferramenta crítica e a banalização da tragédia como síndrome da era midiática.

A trama se desenrola em um cenário onde a política é reduzida a estratégias eleitorais, a imprensa se entrega ao entretenimento vazio e a sociedade se anestesia diante do caos. As figuras de liderança, distantes de qualquer senso de responsabilidade, orbitam seus próprios interesses imediatos, enquanto a opinião pública se divide entre a negação absoluta e a distração frívola. Esse retrato, por mais exagerado que pareça, encontra ressonância em crises recentes, da pandemia à emergência climática, evidenciando um ciclo de inércia e irresponsabilidade sistematizado.

A atuação de Leonardo DiCaprio e Jennifer Lawrence ancoram a narrativa em um realismo emocional que contrasta com o caos ao redor. Suas performances transitam entre o desespero e a incredulidade, tornando palpável a frustração de quem, mesmo diante de provas incontestáveis, é incapaz de mobilizar uma reação coletiva eficaz. O restante do elenco reforça essa dinâmica, com atuações que oscilam entre a caricatura e o desdém, refletindo uma sociedade que flutua entre o delírio e a apatia.

No entanto, apesar de sua contundência, sua abordagem excessiva pode afastar parte do público, e algumas escolhas estéticas poderiam ter sido refinadas para maximizar seu impacto. A relação entre os personagens centrais poderia ser mais explorada, trazendo nuances adicionais ao drama pessoal inserido na catástrofe global. Da mesma forma, a trilha sonora, em alguns momentos, poderia ser utilizada de forma mais incisiva para amplificar as tensões.

Ainda assim, a força de “Não Olhe Para Cima” está na maneira como desnuda o cinismo contemporâneo sem recorrer a concessões. Não é um filme que busca consenso ou conforto; ao contrário, desafia o espectador a encarar sua própria complacência. Ao final, o que permanece é um incômodo inescapável: diante do inevitável, seguimos discutindo irrelevâncias enquanto o impacto se aproxima.

Filme: Não Olhe Para Cima
Diretor: Adam McKay
Ano: 2021
Gênero: Comédia/Drama/Ficção Científica/Thriller
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★