Com Greta Gerwig, Annette Bening e Elle Fanning, drama geracional belíssimo é lição para uma vida inteira, na Netflix Divulgação / A24

Com Greta Gerwig, Annette Bening e Elle Fanning, drama geracional belíssimo é lição para uma vida inteira, na Netflix

Entre os muitos filmes que exploram as complexidades dos laços familiares e os inevitáveis conflitos entre gerações, poucos alcançam a sutileza e a riqueza narrativa de “Mulheres do Século 20”. Dirigido por Mike Mills, o longa transporta o espectador para a efervescente Santa Bárbara do final dos anos 1970, utilizando uma estrutura fragmentada, quase memorialística, para compor um retrato multifacetado dos personagens que habitam esse universo em transição.

No centro da história está Dorothea, vivida com extraordinária precisão por Annette Bening. Uma mulher na casa dos cinquenta, divorciada e independente, ela tenta criar seu filho adolescente, Jamie, com a liberdade de quem acredita no poder do diálogo e da experiência compartilhada. No entanto, consciente de suas próprias limitações em compreender plenamente as inquietações de uma nova geração, ela convoca duas jovens para auxiliar na formação do filho: Abbie, uma espírita livre e fotografa de espírito rebelde, e Julie, a amiga de Jamie que oscila entre a intimidade e a distância emocional. 

A força do filme está na sua abordagem sensível e não convencional da dinâmica familiar. Ao invés de recorrer à tradicional estrutura dramática de conflitos resolvidos por meio de confrontos catárticos, Mills constrói sua narrativa por meio de uma justaposição de vozes, imagens de arquivo e reflexões introspectivas que se entrelaçam organicamente. Essa escolha estilística proporciona ao filme um tom quase documental, permitindo que a história se desdobre como uma série de fragmentos que se complementam, revelando não apenas a dinâmica entre os personagens, mas também o espírito de uma época de transformações sociais e culturais.

A relação entre Dorothea e Jamie funciona como o eixo emocional da trama, ilustrando o abismo geracional que separa a mentalidade de uma mulher moldada pelas privações da Grande Depressão e as inquietações de um adolescente crescido sob a incerteza econômica dos anos 1970. Dorothea acredita na força do caráter, na resiliência e na importância do aprendizado prático, enquanto Jamie busca respostas em um mundo em que as regras tradicionais já não se aplicam da mesma forma. Esse desencontro gera momentos de ternura e frustração, nos quais a comunicação entre mãe e filho se mostra simultaneamente próxima e distante.

Annette Bening entrega uma atuação magistral ao capturar as nuances de Dorothea. Sua personagem transita entre o pragmatismo e a excentricidade, participando de conversas francas sobre sexualidade e feminismo enquanto se sente deslocada em um show punk. Essa dualidade a torna uma figura magnética, humana e profundamente autêntica. O elenco secundário também brilha, com Greta Gerwig dando uma intensidade irresistível à inconformista Abbie e Elle Fanning equilibrando vulnerabilidade e mistério na pele de Julie. Billy Crudup, por sua vez, adiciona uma camada de leveza e melancolia ao pacato William, que orbita esse pequeno universo como um observador gentil e um tanto perdido.

O filme é um deleite visual. A cinematografia aposta em tons quentes e granulados, evocando a estética das fotografias analógicas da época, enquanto a edição incorpora transições estilizadas e texturas visuais que reforçam o caráter nostálgico da narrativa. A trilha sonora, um dos pontos altos da produção, mescla Talking Heads, David Bowie e Black Flag para criar uma ambientação sonora que reflete tanto a agitação cultural do período quanto os sentimentos difusos dos personagens.

Entretanto, nem todas as escolhas narrativas são irretocáveis. Jamie, por exemplo, por vezes assume um papel excessivamente passivo, servindo mais como um observador das mulheres ao seu redor do que como um protagonista com motivações próprias. O fato de a trama girar em torno de sua jornada, apesar do título sugerir um foco feminino, levanta questões sobre o real protagonismo das personagens centrais. Essa dinâmica poderia ter sido mais bem equilibrada para evitar que as figuras femininas se tornassem apenas catalisadoras do crescimento de Jamie.

Ainda assim, “Mulheres do Século 20” é como uma reflexão sincera sobre amadurecimento, maternidade e a passagem do tempo. Em um cenário dominado por narrativas formulaicas, o filme se diferencia ao apostar em uma estrutura fluida e em uma abordagem que prioriza a autenticidade sobre os clichês. Não busca respostas definitivas nem soluções fáceis, mas sim uma compreensão mais profunda das relações humanas e das transformações que nos definem. Assim, sua força está não apenas na história que conta, mas na maneira sensível e inteligente com que escolhe contá-la.

Filme: Mulheres do Século 20
Diretor: Mike Mills
Ano: 2016
Gênero: Comédia/Drama
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★