A salvação é um encargo que cada um administra da maneira como julga conveniente. É sempre factível, por óbvio, que depois de uma vida de erros que implicaram a desdita de muita gente, que um indivíduo se arrependa de coração, tome um caminho diferente e refaça sua vida da melhor forma que conseguir, devotando atenção redobrada a seu comportamento, um tanto paranoico frente à mais pálida chance de replicar as falhas que impactaram negativamente as histórias que tiveram a má sorte de cruzar com sua perversão num momento qualquer. As grandes transformações sociais começam dentro do mais insignificante, do mais desprezível, até do mais abjeto espírito humano, que pode quase nada, ao passo que, no fundo, não tem uma noção muito exata do quão poderoso pode vir a ser.
O enredo altamente alegórico de “A Vida É Bela” conta a história de Guido Orefice, que com imaginação e um incansável estoicismo, não permite que o filho saiba que o mundo está em guerra, a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), e terríveis vilões, ou seja, os nazistas, querem vencê-los. Este roteiro, o mais pessoal de Roberto Benigni, escrito em parceria com Vincenzo Cerami (1940-2013), foi inspirado em Luigi, pai do diretor e ator, que viveu num campo de concentração nazista por anos e, para não apavorar os filhos, inventava causos bem-humorados sobre a infausta experiência. Sensação que repete-se com uma farsa ao longo dos 116 minutos.
Tocam a natureza do milagre eventos em que homens comuns protagonizam iniciativas às quais poucos se apercebem logo que começam a tomar corpo, mas que, a despeito das contingências e dos percalços, vão se espalhando, frutificam, prosperam, até que ao resto do mundo só caiba reconhecer a grandeza desses heróis improváveis, sujeitos exasperantemente comuns que investem-se, até de um jeito bastante sui generis, do epíteto de filantropos. Sempre que uma criança perde sua inocência, a humanidade morre um pouco. Ainda na infância, o mundo vai se nos revelando um lugar surpreendentemente hostil, onde somos forçados a medir cada palavra e estudar todo gesto, sob pena de arcar com consequências pesadas demais para nossos ombros estreitos, onde flutua uma cabecinha deveras sonhadora.
Guido está disposto a dar a vida pela meninice do filho, mas antes que se chegue a esse ponto, Benigni investe numa comédia despretensiosa, pueril na melhor acepção da palavra, o que ainda abastece de críticas boçais os detratores gratuitos, mormente num tempo em que todos estão muito à vontade para demonstrar sua burrice. Quando o diretor-protagonista mistura humor às sequências em que estão já Guido e o filho, Giosué, devidamente aboletados numa das precárias instalações montadas para receber judeus como eles, a hostilidade ao ótimo trabalho de Benigni piora muito, mas a verdade é que sua parceria com Giorgio Cantarini mantém a graça do filme até o desfecho. Mesmo que brasileiros jecas ainda não tenham superado a vitória de “A Vida É Bela” sobre “Central do Brasil” (1998), de Walter Salles, como Melhor Filme Internacional no Oscar de 1999.
★★★★★★★★★★