Filme com Drew Barrymore e Hugh Grant é mais eficiente que terapia (e muito mais divertido) — na Max Divulgação / Warner Bros.

Filme com Drew Barrymore e Hugh Grant é mais eficiente que terapia (e muito mais divertido) — na Max

Fitas cassetes pertencem a um tempo em que tudo era mais romântico — o amor, inclusive. Certamente não há mais espaço, nem físico nem cronológico, para aquelas pilhas de retângulos de plástico, nos quais estavam contidos alguns bons (e maus) momentos da humanidade; entretanto, não existe sobre a face da Terra um homo sapiens sapiens com mais de quarenta anos que não tenha desfrutado de horas e mais horas de melancolia, regozijo, pensamentos distantes e inadequados e, sobretudo, ilusões perdidas e choro diante de um toca-fitas girando incansável, ao menos até que a fina camada de partículas magnéticas engrolasse e a magia desse lugar à chateação e, quiçá, ao desespero.

Alex Fletcher, o anti-galã de “Letra e Música”, pertence a essa época dourada, o que já o agastou muito, mas agora garante-lhe uma ou outra participação em feiras estaduais e reuniões de colégio, nas quais ouve o grito estridente das quarentonas que derretiam-se por ele duas décadas antes. Sophie Fisher não é uma dessas velhas fãs, menos por não ter idade para tal que por suas refinadas preferências musicais, e Mark Lawrence aproveita a ideia de modo a compor uma bela história de enamoramento com oportunas notas de musical, tudo embalado por pelas irretocáveis performances de dois atores que encarnam a própria fantasia do amor perfeito. 

Alex rompe “Letra e Música” numa hilária cena em que ainda rodava o país com o PoP, a boy band em que misturava Beatles e One Direction, num videoclipe à MTV. Pelo belo apartamento na 3ª Avenida, ele não parece sofrer de nenhum apuro de dinheiro e aceita os convites dos contratantes por hobby e por vaidade, até que uma proposta muito mais tentadora o arrebata. O engenhoso roteiro de Lawrence chega a Cora Corman, uma divinha do pop que precisa reciclar seu repertório se quiser ter alguma sobrevida no cenário artístico contemporâneo, firme como um pudim.

A breve interação entre o veterano Hugh Grant e Haley Bennett dá uma ideia dos mistérios nos bastidores das grandes jogadas comerciais do showbiz, e o diretor-roteirista volta ao tópico no segundo ato, depois de aprofundar-se no fabuloso universo do protagonista. Alex está acomodado na vida que escolheu levar depois dos louros da fama que nem se dá ao trabalho de regar as plantas que mantém em casa, para impressionar as incautas que caem no seu papo. Ele delegara a tarefa para uma garota que a repassara temporariamente para Sophie, que sem saber será uma peça fundamental na hipotética retomada do estrelato do ex-celebridade. 

Alex nunca soube escrever letras e as rimas pulam da boca de Sophie enquanto dedica-se a aguar cada uma das companheiras involuntárias de farra do anfitrião. Qualquer um que já tenha assistido a uma comédia romântica sabe perfeitamente o que vem daí, mas assim mesmo Lawrence é capaz de sacar da cartola lances surpreendentes, como incluir no passado da anti-heroína Sloan Cates, um ex-professor de literatura que ganhou uma montanha de dinheiro com uma ficção biográfica em que menciona o assédio de uma aluna bastante parecida com ela, o que ainda lhe traz problemas. Desse momento em diante, Drew Barrymore ganha o filme, calculando com muito cuidado os limites entre a pieguice e a emoção genuína, e a pouca atenção a essa subtrama é a grande lacuna narrativa de um enredo que verte obviedades em poesia. Malgrado subtramas como a da divertida Rhonda, a irmã sete anos mais velha de Sophie vivida pela excelente Kristen Johnston, restem no ar.

Filme: Letra e Música
Diretor: Mark Lawrence 
Ano: 2007
Gênero: Comédia/Musical/Romance
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★
Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.