Ainda é pertinente esperar que produções como “Star Trek” traduzam um futuro científico que nunca se concretizou? A resposta oscila entre a nostalgia e o pragmatismo. J. J. Abrams mergulha na onda incessante de refilmagens, reinterpretações e reinvenções de narrativas que já tiveram seu apogeu e, em outras circunstâncias, teriam sido deixadas para trás. O impulso para ressuscitá-las, contudo, é movido por interesses que vão além da criação artística, resultando em versões infladas que conquistam os aficionados e pouco mais.
O cineasta extrai da matriz original — fenômeno televisivo entre 1966 e 1969 na NBC — todos os maneirismos que ainda seduzem quem testemunhou a época e acompanhou seus desdobramentos, sobretudo aqueles que, longe das trincheiras do Vietnã, consumiam avidamente a possibilidade de colonizar galáxias desconhecidas. Para esse público, situado a uma distância segura dos conflitos do Sudeste Asiático, a ficção científica oferecia uma catarse curiosa: a guerra podia ser justificada, desde que travada contra o desconhecido, e o universo se tornava o campo ideal para ambições que a geopolítica terrena começava a frustrar. É essa persistente ilusão que mantém a franquia viva mais de meio século depois.
A versão de “Star Trek” no século 21 pouco se afasta do esqueleto narrativo da série original, embora careça da vitalidade e da ousadia intelectual das tramas concebidas por Gene Roddenberry (1921-1991) e sua equipe. O diferencial mais evidente no trabalho de Abrams reside nos impecáveis efeitos visuais da computação gráfica de William Aldridge e, em segundo plano, na meticulosa maquiagem de Barney Burman, Joel Harlow e Mindy Hall. O espírito criativo do texto de Roddenberry, permeado por uma genuína inquietação científica e pela disposição de extrapolar as regras da física para sustentar teorias audaciosas, é diluído em um roteiro que, embora carregue seu nome, se prende a uma estrutura previsível.
O enredo de Alex Kurtzman e Roberto Orci parece limitado pela necessidade de se manter fiel ao cânone, sem espaço para inovações significativas. A USS Enterprise enfrenta uma pane, o que desencadeia um frenesi pueril entre os tripulantes e evidencia a imaturidade quase temerária de James Tiberius Kirk, comandante da missão. Chris Pine transita com competência entre a rebeldia instintiva do personagem e sua gradual assimilação de responsabilidades, um processo que só se consolida no segundo ato, após ser expulso da nave por Spock.
Esse último, interpretado por Zachary Quinto, é responsável pelos momentos mais densos do filme, especialmente em sua interação com Leonard Nimoy (1931-2015), que surge como uma versão mais velha do próprio Spock e como figura paterna simbólica. Esse embate traz alguma autenticidade a uma produção que, apesar do verniz sofisticado, esconde sob sua superfície um produto fabricado para parecer grandioso, mas que, no fim, não passa de uma nova embalagem para um conceito já exaurido.
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