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Poucos filmes conseguem equilibrar sensibilidade e brutalidade emocional ao tratar do colapso de um casamento com tamanha acuidade quanto “História de um Casamento”. Noah Baumbach transforma o divórcio em um campo minado de ressentimentos, revisitando não apenas os momentos de afeto e cumplicidade, mas também as microagressões e silêncios corrosivos que antecedem a ruptura definitiva. O que torna a abordagem singular é sua recusa ao maniqueísmo: não há mocinhos ou vilões, apenas duas pessoas lidando com a dor de perder um ao outro enquanto tentam preservar alguma dignidade no processo.

A trama acompanha Charlie (Adam Driver), um diretor de teatro visionário, e Nicole (Scarlett Johansson), atriz em ascensão na televisão. O casal, que um dia compartilhou sonhos e admiração mútua, agora enfrenta o inevitável distanciamento. O filme investiga não apenas o desgaste da relação, mas como o sistema legal transforma o que deveria ser um encerramento respeitoso em uma batalha fria e calculada. Inicialmente inclinados a uma separação amigável, eles são arrastados para uma disputa feroz assim que advogados entram em cena. Cada lembrança é ressignificada como munição em um jogo no qual a sobrevivência emocional é uma promessa vazia.

Baumbach estrutura a narrativa de forma minuciosa, expondo não apenas os atritos evidentes, mas também os mecanismos psicológicos que impulsionam o desmoronamento de um relacionamento. Nicole, outrora um talento promissor, passou anos orbitando em torno do brilho de Charlie, subjugando suas próprias ambições em nome do casamento. Seu desejo de autonomia é uma reivindicação de identidade, e quando ela contrata a advogada Nora Fanshaw (Laura Dern), deixa claro que não se trata apenas de um divórcio, mas de um ajuste de contas com o passado. Charlie, por outro lado, resiste à ideia de judicialização, até perceber que está sendo empurrado para um terreno onde a afetividade é irrelevante e a estratégia reina absoluta.

A força do filme está na impossibilidade de se tomar partido. Charlie e Nicole são personagens tridimensionais, dotados de virtudes e falhas em igual medida. Ele não é um marido cruel, tampouco um herói incompreendido. Ela não é uma mulher injustiçada, mas também não é isenta de contradições. O roteiro habilmente estrutura essa dinâmica, recusando verdades absolutas. O desconforto do público é proposital: assistir a “História de um Casamento” é testemunhar a desconstrução de um vínculo que um dia foi indestrutível.

A atuação de Adam Driver atinge um grau de vulnerabilidade impressionante. Seu monólogo ao final, culminando na interpretação devastadora de “Being Alive”, sintetiza seu colapso emocional sem recorrer a exageros. Scarlett Johansson, por sua vez, compõe uma Nicole que oscila entre força e fragilidade, entre culpa e autodefesa, capturando cada sutileza de uma mulher que busca reaver o controle de sua própria narrativa. A precisão emocional das performances torna cada confronto dolorosamente realista, especialmente em cenas onde o diálogo transborda em explosões de dor contida.

Ainda que o filme seja permeado por tensão e amargura, Baumbach inclui espaços de respiro, onde o humor sutil se infiltra sem comprometer a seriedade da história. A visita constrangedora de uma assistente social e a burocracia absurda da entrega de documentos do divórcio são exemplos de como o cineasta dosa ironia e tragédia com maestria. Essas nuances elevam a obra para além do melodrama convencional, conferindo-lhe uma autenticidade que reverbera muito depois dos créditos finais.

“História de um Casamento” é, acima de tudo, um estudo sobre a impossibilidade de se encerrar um relacionamento sem cicatrizes. O filme se recusa a oferecer uma resolução redentora, pois compreende que certas dores são perenes. Baumbach captura com exatidão a ironia cruel do divórcio: a necessidade de traduzir o amor em termos legais, a transição forçada de cônjuges a adversários e, finalmente, a constatação de que, por mais que tentemos, algumas histórias não podem ser reescritas sem perdas irreparáveis.

Filme: História de um Casamento
Diretor: Noah Baumbach
Ano: 2019
Gênero: Drama/Romance
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★