Poucos filmes dentro de gângster despertam reações tão extremadas quanto “Scarface”. Reverenciado por uma multidão e questionado por sua abordagem ostensiva, o longa de Brian De Palma consolidou um estatuto singular: longe da sofisticação técnica de “O Poderoso Chefão”, mas igualmente influente. É a maneira como escancara, sem filtro ou glamour, a brutalidade do crime organizado, traduzida na ascensão meteórica e na ruína inevitável de um protagonista dominado por impulsos primitivos. “Scarface” não se interessa por estratégias refinadas ou dinâmicas de poder silenciosas; sua essência é o excesso, seja na violência, na ambição ou na construção imagética de um sonho americano deformado.
O visual carregado, a trilha sonora datada e a superficialidade das personagens não representam fragilidades, mas sim um espelho fiel da realidade retratada. Tony Montana não é um calculista metódico como Michael Corleone; é um homem que se move por instintos crus, sem grandes esquemas ou planejamento minucioso. O roteiro de Oliver Stone molda um protagonista que encarna uma versão visceral e sem retoques da ambição descontrolada: não há meias-medidas, não há ponderação, apenas uma sede insaciável por mais. Se o filme flerta com a hipérbole, é porque seu protagonista exige isso; Tony Montana é grandioso e trágico em igual medida, e Al Pacino constrói essa figura com uma intensidade que ultrapassa o realismo convencional. O exagero de sua atuação é um reflexo direto do mundo ao seu redor: um palco onde cada decisão é levada ao extremo.
A brutalidade em “Scarface” nunca é gratuita. Cada explosão de violência sublinha a selvageria do meio em que Tony transita, sem concessões para sentimentalismos ou atenuantes morais. Cenas icônicas, como a infame sequência do serrote, o embate com Alejandro Sosa ou o desfecho apoteótico, são marcantes não apenas pela execução técnica, mas pela maneira como encapsulam a trajetória do protagonista. O humor também se faz presente, mas surge naturalmente, impregnado de ironia e carregado de um cinismo que reforça a tensão. A narrativa nunca se dispersa; cada cena conduz a seguinte com um propósito claro, mantendo uma coesão que sustenta o peso dramático.
O elenco desempenha papel fundamental no filme. Al Pacino, em uma das performances mais emblemáticas de sua carreira, equilibra carisma e ferocidade, tornando Montana uma figura ao mesmo tempo repulsiva e hipnotizante. Steven Bauer traz solidez ao leal, mas ingênuo, Manny, enquanto Robert Loggia imprime autoridade ao experiente Frank Lopez. Michelle Pfeiffer, em uma composição de apatia calculada, traduz a alienação de Elvira, que atravessa a narrativa como uma espectadora entediada do caos que se desenrola diante dela.
Com o passar dos anos, “Scarface” superou as polêmicas iniciais e se tornou como um marco cultural. Sua abordagem destemida e sem sutilezas do submundo do crime permanece atual, inspirando análises e revisões que reconhecem sua força simbólica. Embora não possua a elegância de outros clássicos do gênero, seu impacto é inegável. Mais do que um simples filme de gângster, “Scarface” é um testamento do poder e da destruição inerentes a uma ambição desmedida, e sua presença no imaginário popular segue intacta.
★★★★★★★★★★