Ria, ame e repita: a comédia romântica que você precisa ver na Netflix Divulgação / GEM Entertainment

Ria, ame e repita: a comédia romântica que você precisa ver na Netflix

O panorama artístico nunca foi imune a aberrações. No rastro das raras mentes que visitam este mundo a cada milênio, há sempre aqueles que, longe de qualquer grandeza, reforçam a sensação de que a humanidade caminha sem bússola, entregue à sua própria ruína. A engrenagem da indústria cultural opera sem escrúpulos, consumindo talentos e fabricando ídolos descartáveis na mesma velocidade em que os esvazia. Como um moinho incansável, tritura sonhos e vende ilusões, não apenas para alimentar seu próprio apetite insaciável, mas para reforçar a farsa de que a glória é eterna. No jogo do estrelato, poucos ascendem sem a expectativa de uma queda, e quando essa vem, é sempre abrupta, teatral e amplificada pela volúpia de um público sedento por novas vítimas.

Isabella Patterson sabe bem o que é essa dança vertiginosa entre a ascensão e o esquecimento. Personagem central de “Um Amor a Cada Esquina”, Izzy sobe com velocidade assustadora, como se antecipasse a queda que inevitavelmente a aguarda. No entanto, sua trajetória é marcada por uma vitalidade que a diferencia dos meros fantoches da fama. O roteiro assinado por Peter Bogdanovich e Louise Stratten expõe, sem rodeios, uma das mais cínicas engrenagens da era contemporânea: a arte reduzida a um mercado de trocas disfarçadas, onde a pureza criativa se rende ao cinismo da conveniência. Sem apelar para condenações morais diretas, o filme insinua, com ironia cortante, que teatro, cinema e cultura em geral foram sequestrados por interesses que pouco ou nada têm a ver com a arte em si. No meio dessa confusão, a justificativa conveniente de que “o público recebe o que quer” apenas reforça o verniz hipócrita de um sistema que se retroalimenta de sua própria decadência.

O filme se abre com Izzy relatando a uma jornalista como recebeu sua grande chance ao cruzar o caminho de um respeitado dramaturgo. O tom pode até flertar com a leveza, mas há um subtexto amargo na sua trajetória. Em um mundo onde o talento é frequentemente eclipsado por artimanhas de bastidores, sua história apenas reforça a máxima de que tudo está à venda. Quatro anos antes, Isabella era apenas uma jovem chamada por Arnold Albertson para um encontro em um hotel no coração de Manhattan. As expectativas eram vagas, talvez algo que remetesse ao charme magnético de um Brando, à sofisticação de um Cary Grant ou até à intensidade de um James Dean. O que encontra, no entanto, é um homem que, embora distante desses ícones, desempenha com destreza seu papel de sedutor generoso.

Arnold não é um príncipe encantado, mas domina os códigos da comédia romântica com precisão cirúrgica. Em um roteiro que poderia facilmente resvalar para a caricatura, sua figura se impõe pela maneira como encena um conto de fadas contemporâneo: um jantar exótico, um passeio de charrete e uma proposta financeira tentadora, selando um pacto de transformação duvidosa.

Owen Wilson e Imogen Poots sustentam essa dinâmica com atuações que oscilam entre o delírio e o pragmatismo, enquanto o segundo ato se desenrola em uma sucessão de ironias bem calibradas. A peça que Arnold dirige coloca Izzy diante de um novo tabuleiro de poder, onde sua esposa, Delta, e o amante desta, Seth Gilbert, completam um jogo de relações sobrepostas. Kathryn Hahn e Rhys Ifans assumem o centro do palco nesse momento, ampliando ainda mais o caráter farsesco da trama.

Se “Um Amor a Cada Esquina” não alcança a vitalidade de “Muito Riso e Muita Alegria” (1981), há nele um encanto peculiar que se mantém pelo elenco afinado e por momentos de excentricidade bem-vindos, como a aparição fugaz de Quentin Tarantino em uma cena inesperada. Talvez Woody Allen conduzisse essa história com mais precisão, mas Nova York tem espaço para muitas vozes na sua ópera caótica. Bogdanovich, com seu olhar nostálgico e irônico, encontra um canto próprio nessa balbúrdia, e ainda que seu filme não seja um brado definitivo sobre a farsa do espetáculo, é um lembrete sagaz de que, nos bastidores do brilho, o jogo continua sendo o mesmo.

Filme: Um Amor a Cada Esquina
Diretor: Peter Bogdanovich
Ano: 2014
Gênero: Comédia/Drama
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★