Existe um tipo específico de felicidade que nasce da cumplicidade genuína, da presença constante e da sensação de ser compreendido sem esforço. O verdadeiro teste de um vínculo amoroso não está no entusiasmo inicial ou nas promessas feitas em meio ao fervor da paixão, mas na capacidade de permanecer significativo quando tudo o mais se dissolve. Amar, nesse sentido, não se trata apenas de um encontro casual ou de uma afinidade espontânea, mas da rara disposição de construir algo que resista ao tempo. Contudo, encontrar quem nos motive a sustentar essa entrega é um fator que, ironicamente, escapa ao nosso controle.
São poucas as narrativas que se atrevem a expor a vulnerabilidade dos relacionamentos sem recorrer a idealizações ou simplificações. O envolvimento entre duas pessoas, quando desprovido de intenções ocultas e interesses colaterais, já é um fenômeno raro, e, quando acontece, exige decisões conscientes para se sustentar. “Mesa Para Quatro” (2021) se insere nesse território sem recorrer a sentimentalismos desgastados. O diretor Alessio Maria Federici se apoia no roteiro meticulosamente arquitetado por Martino Coli para esboçar um retrato descomplicado e perspicaz do amor contemporâneo. O filme passa ao largo das convenções ultrapassadas que tanto marcaram o gênero romântico, recusando-se a perpetuar mitos sobre almas gêmeas ou juras de fidelidade eterna. E o faz sem hipocrisia: ao contrário das fantasias hollywoodianas, erguidas sobre escândalos cuidadosamente encobertos, “Mesa Para Quatro” não se furta a reconhecer que o amor, muitas vezes, caminha ao lado da dúvida e da imprevisibilidade.
A abordagem europeia sobre o afeto, especialmente a italiana, tem um despojamento que contrasta com o tom solene das produções estadunidenses. Aqui, o romance é tratado como um jogo de possibilidades, no qual o desejo ocupa seu espaço sem comprometer outras dimensões essenciais da vida. Carreira, autonomia e liberdade pessoal não são sacrificados em nome de um capricho momentâneo, e os personagens deixam claro que compreendem essa dinâmica. Federici, atento a essas nuances, recusa a armadilha da paixão avassaladora e aposta em uma perspectiva mais tangível, onde o encantamento convive com escolhas pragmáticas.
A trama se desenrola a partir de um jantar entre amigos, onde Matteo (Matteo Martari) e Dario (Giuseppe Maggio) são apresentados a Giulia (Matilde Gioli) e Chiara (Ilenia Pastorelli). A partir desse encontro, o filme estrutura sua narrativa de maneira provocativa, borrando fronteiras entre realidades alternativas e questionando a natureza do destino. Em poucos instantes, o público se vê diante de versões distintas das mesmas relações: Giulia, inicialmente ligada a Dario, passa a se envolver com Matteo, que, por sua vez, experimenta uma conexão inesperada com Chiara. Essa fragmentação narrativa desafia a linearidade tradicional e sugere que cada escolha amorosa carrega consigo uma multiplicidade de desdobramentos possíveis.
O roteiro de Martino Coli se destaca justamente nesse ponto, ao transformar o jogo de possibilidades em um reflexo das incertezas humanas. O filme se permite explorar a complexidade dos personagens sem pressa, concedendo-lhes espaço para existirem além do papel que ocupam dentro do romance. Esse cuidado impede que a história resvale para os clichês das comédias românticas convencionais. A solidez do elenco, que equilibra leveza e profundidade com naturalidade, fortalece essa construção, garantindo que a dinâmica entre os protagonistas pareça sempre orgânica. Federici, com sua abordagem precisa, conduz a narrativa de forma que o espectador se veja refletido nas decisões e hesitações dos personagens, sem recorrer a julgamentos simplistas.
Ao confundir e desorientar o público de forma intencional, o filme amplia seu impacto. Alternando entre diferentes versões do que poderia ter sido, ele desafia a noção de um único caminho correto no amor. Esse expediente narrativo, que poderia facilmente soar como um artifício, é tratado com sutileza e inteligência, evitando redundâncias. A sensação de descompasso entre os protagonistas, que oscila entre a harmonia e a desconexão, funciona como um espelho das relações reais, onde pequenas decisões podem alterar drasticamente o curso da história.
A grande virtude de “Mesa Para Quatro” está na forma como envolve o espectador nesse jogo. Em determinado momento, a audiência já não é apenas uma observadora passiva, mas parte da experiência, questionando suas próprias escolhas e reavaliando o que acredita saber sobre afinidade e compromisso. Matteo, Dario, Giulia e Chiara não são apenas personagens; tornam-se projeções das incertezas que permeiam qualquer tentativa de se relacionar. O elenco, plenamente consciente da proposta, reforça esse caráter interativo, garantindo que o filme funcione tanto como uma sátira quanto como um retrato perspicaz da complexidade amorosa contemporânea.
Federici brinca com a ideia de que o amor, mais do que um encontro predestinado, é uma construção moldada pelo tempo e pelas circunstâncias. Ao propor diferentes versões para a mesma história, ele escancara a impossibilidade de um roteiro único para os sentimentos. No final, “Mesa Para Quatro” não oferece respostas, apenas a constatação de que cada relação é fruto daquilo que se está disposto a viver — e, às vezes, do que se está disposto a perder.
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