Elenco de peso: Dustin Hoffman, Gene Hackman, Rachel Weisz e John Cusack em thriller que é verdadeira aula de direito, na Netflix Divulgação / New Regency Productions

Elenco de peso: Dustin Hoffman, Gene Hackman, Rachel Weisz e John Cusack em thriller que é verdadeira aula de direito, na Netflix

Há algo de fascinante em certas fotografias antigas, imagens que cristalizam instantes e olhares de uma época irrepetível. De modo semelhante, o cinema passou por transformações expressivas entre o final do século 20 e o início do 21, moldando não apenas a forma como as histórias são contadas, mas também a maneira como são percebidas pelo público. Dentro desse contexto de mudanças, “O Júri”  entra como um raro exemplar de um cinema que ainda preza pela narrativa clássica, embasando-se na força de um elenco primoroso e em um roteiro que propõe questionamentos pertinentes.

Inspirado no romance de John Grisham, “O Júri” apresenta uma diferença crucial em relação à obra original: a mudança de eixo temático. No livro, a trama gira em torno das responsabilidades da indústria do tabaco sobre os malefícios do cigarro; no filme, esse debate é deslocado para o controle de armas. Essa alteração não é meramente superficial, pois confere à narrativa um viés mais político e sombrio, transformando a história em uma discussão contemporânea sobre responsabilidade corporativa e manipulação judicial.

A trama se desenrola a partir do julgamento em que uma viúva processa fabricantes de armas, buscando responsabilizá-los por uma tragédia pessoal. O eixo do conflito está em Rankin Fitch, interpretado magistralmente por Gene Hackman, um consultor de bastidores cuja função é garantir vereditos favoráveis aos seus clientes por meio da manipulação dos jurados. Contudo, Fitch se vê inesperadamente desafiado por Nicholas Easter (John Cusack), um jurado que, com a ajuda de Marlee (Rachel Weisz), utiliza táticas igualmente sofisticadas para inverter o jogo de poder.

O elenco, sem dúvida, é um dos marcos do filme. Gene Hackman, com sua presença imponente, encarna um antagonista frio e meticuloso, dotado de uma implacabilidade que intensifica o suspense. Cusack, por sua vez, confere a Easter uma astúcia envolvente, enquanto Rachel Weisz se destaca com sua interpretação magnética e calculista. Dustin Hoffman adiciona camadas emocionais ao advogado Wendall Rohr, que no filme recebe uma abordagem mais aprofundada do que no livro, sendo retratado como um profissional que transita entre o idealismo e as limitações práticas do sistema judiciário.

A narrativa se constrói como um complexo jogo de xadrez, em que cada movimento estratégico altera a dinâmica do julgamento e amplia a tensão. Ainda que o roteiro tome liberdades em relação à obra original, ele preserva a essência do embate entre ética e manipulação, ampliando a figura de Fitch como um vilão ainda mais ardiloso. O suspense cresce gradativamente, sustentado pelo embate intelectual entre os personagens e pelo constante risco de que tudo desmorone para qualquer um dos lados.

No entanto, algumas escolhas narrativas trazem perdas perceptíveis. O desenvolvimento dos jurados, que no livro se desdobra com nuances psicológicas mais ricas, é reduzido no filme em prol de um ritmo mais dinâmico e de um foco maior na disputa central. As interações individuais entre Easter e os demais jurados, que no romance adicionam camadas de complexidade à trama, são substituídas por soluções mais diretas, que intensificam o impacto dramático, mas sacrificam parte da profundidade original. Em contrapartida, essa abordagem potencializa a sensação de perigo e urgência, uma vez que a manipulação do júri se desdobra com ameaças e estratégias de coerção mais agressivas.

No conjunto, “O Júri” é um thriller judicial que equilibra entretenimento e provocação intelectual. Embora algumas soluções narrativas possam soar previsíveis para quem conhece o gênero, a execução precisa e o talento do elenco garantem uma experiência instigante. O filme demonstra como adaptações podem reinterpretar um material original sem comprometer seu impacto, oferecendo um olhar renovado sobre dilemas morais e a influência invisível que molda os vereditos dentro de um tribunal. “O Júri” reforça a importância de narrativas bem construídas e da força de personagens memoráveis, provando que certas histórias mantêm sua relevância independentemente das transformações da indústria.

Filme: O Júri
Diretor: Gary Fleder
Ano: 2003
Gênero: Crime/Drama/Thriller
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★