O filme da Netflix que explica como meia dúzia de nerds quebrou Wall Street (e ainda fez você torcer por eles) Divulgação / Paramount Pictures

O filme da Netflix que explica como meia dúzia de nerds quebrou Wall Street (e ainda fez você torcer por eles)

Adam McKay consolidou-se como um cineasta cuja marca autoral reside na habilidade de combinar sátira mordaz e análise política afiada. Após um início voltado à comédia escrachada, direcionou sua trajetória para filmes que desconstroem sistemas e escancararam engrenagens ocultas do poder. “A Grande Aposta” exemplifica essa transição ao adaptar a obra de Michael Lewis sobre a crise financeira de 2008, conquistando um Oscar de Melhor Roteiro Adaptado. Neste longa de 2016, McKay e Charles Randolph traduzem conceitos complexos do mercado imobiliário em uma narrativa dinâmica, que mescla ironia, indignação e inteligência.

Ainda que o filme se aproxime do drama, o diretor mantém seu DNA cômico, utilizando o humor como ferramenta para tornar palatável um tema denso. Curiosamente, Steve Carell não era a primeira escolha para um dos papéis centrais, mas sua atuação impactante em “Foxcatcher” revelou uma faceta dramática inesperada, convencendo McKay de sua adequação. O ator interpreta Mark Baum, uma versão ficcional de Steve Eisman, um investidor cético e intempestivo que antecipa a derrocada do sistema financeiro, mas encontra pouco consolo no lucro advindo do colapso que destrói vidas e economias.

Baum é um dos vértices dessa história multifacetada, que também acompanha Michael Burry, vivido por Christian Bale. Ex-médico e gestor financeiro, Burry decifra antes de todos a iminência da implosão do mercado hipotecário e aposta contra ele, enfrentando descrença e hostilidade. A autonomia que possui na Scion Capital lhe permite movimentar cifras astronômicas, ainda que sua abordagem solitária e métodos pouco ortodoxos o tornem alvo de críticas internas. Sua jornada não é apenas a de um visionário, mas a de um homem socialmente deslocado, cujo raciocínio veloz opera à margem das convenções.

Outro eixo narrativo envolve Charlie Geller e Jamie Shipley, jovens empreendedores sem conexões no setor financeiro, mas que enxergam na bolha uma oportunidade. Sem poder para acessar diretamente os grandes negócios, eles buscam auxílio do ex-banqueiro Ben Rickert, interpretado por Brad Pitt, que relutantemente os ajuda a validar suas suspeitas e agir no momento certo. Suas trajetórias se entrelaçam com a de Jared Vennett (Ryan Gosling), um ambicioso operador do Deutsche Bank, cuja posição privilegiada lhe permite antecipar movimentos do mercado e lucrar com informações que poucos compreendem.

McKay não se contenta em apenas narrar eventos; ele desconstrói convenções cinematográficas para envolver o público de forma ativa. A linguagem documental do filme, com movimentos de câmera abruptos, olhares diretos para o espectador e inserções visuais estratégicas, reforça a sensação de urgência e desordem. Essa abordagem intensifica o impacto emocional e obriga o público a confrontar a complexidade do tema sem filtros amenizadores. Transições escuras e pausas prolongadas adicionam peso dramático, enquanto a quebra da quarta parede aproxima os personagens da audiência, oferecendo explicações que evitam a armadilha da exposição didática.

Um detalhe muitas vezes despercebido, mas crucial para a atmosfera do filme, é a forma como McKay manipula elementos gráficos. Códigos, números e projeções visuais se sobrepõem às cenas, elevando a tensão e induzindo o espectador a um estado quase frenético, refletindo a mentalidade obsessiva dos investidores. O bombardeio de informações complexas é contrabalançado por intervenções de figuras como Margot Robbie, Selena Gomez e Richard Thaler, que traduzem jargões financeiros em metáforas acessíveis, mantendo o equilíbrio entre didatismo e entretenimento.

Além disso, o humor estratégico desempenha um papel fundamental na estrutura do longa. Desde figurinos propositalmente exagerados até o uso de perucas deliberadamente artificiais, McKay enfatiza o absurdo da bolha financeira através de escolhas estéticas que remetem à teatralidade do próprio mercado. Esse contraste entre o tom cômico e o colapso iminente fortalece a crítica subjacente: a crise não foi um acidente, mas um desdobramento previsível da ganância institucionalizada. “A Grande Aposta” não apenas conta uma história, mas força o público a encarar a fragilidade de um sistema que, por design, favorece poucos e pune muitos.

Filme: A Grande Aposta
Diretor: Adam McKay
Ano: 2015
Gênero: Biografia/Comédia/Drama
Avaliação: 10/10 1 1
★★★★★★★★★★