Do mesmo diretor de “Parasita”, ficção científica com Robert Pattinson aborda filosofia do “eterno retorno” de Nietzsche Divulgação / Warner Bros.

Do mesmo diretor de “Parasita”, ficção científica com Robert Pattinson aborda filosofia do “eterno retorno” de Nietzsche

Filme de Bong Joon-ho que mais mergulha no gênero de ficção científica, “Mickey 17” não foge aos temas habituais do cineasta, conhecido por “Parasita” e “Expresso do Amanhã”. Robert Pattinson conduz a narrativa ao interpretar Mickey, um jovem cuja dívida, adquirida após abrir uma pequena loja de macarons com seu amigo Timo (Steven Yeun), o coloca na mira de mafiosos sedentos por sangue. Incapazes de se esconder em qualquer lugar da Terra de seu agiota psicopata, Mickey e Timo decidem se alistar em uma missão de exploração ao planeta Niflheim.  

Timo assume a função de piloto graças a um treinamento prévio, enquanto Mickey, de maneira impulsiva e desesperada, se voluntaria como “descartável” sem sequer ler os termos de adesão. Ingênuo e acuado, ele acaba aceitando o pior cargo da missão: torna-se um rato de laboratório humano, tendo seu corpo completamente escaneado para que novas versões suas possam ser impressas e utilizadas sempre que morrer durante os intensos testes espaciais.  

Mickey é submetido a experimentos extremos, servindo de cobaia para medicamentos, vírus e simulações de sobrevivência que buscam determinar os limites humanos e garantir a colonização do planeta da forma mais segura possível. Ao longo de quatro anos, experimenta as mortes mais dolorosas e aterrorizantes, até que, surpreendentemente, “Mickey 17” sobrevive após ser abandonado por Timo em um buraco congelante infestado de crawlers  — criaturas rastejantes gigantes consideradas inimigas da humanidade.  

Contra todas as expectativas, os crawlers ajudam Mickey a escapar e a retornar à estação onde os humanos se abrigam. No entanto, sua volta gera um dilema: todos acreditavam que ele havia morrido, e uma nova versão sua já havia sido impressa, quebrando a regra que proíbe a existência de “múltiplos” — clones simultâneos do mesmo indivíduo. O impasse ético é inevitável: para que não sejam descobertos, um dos dois precisa morrer. Os clones então se veem forçados a lutar pela própria sobrevivência, enquanto uma guerra entre humanos e crawlers se torna inevitável.  

Mark Ruffalo interpreta Kenneth Marshall, um político que, após perder duas eleições consecutivas, mantém uma base fiel de seguidores. Cristão conservador, ele sustenta uma visão supremacista da raça humana e deseja preservá-la e replicá-la na nova sociedade que se formará fora da Terra. Um homem medíocre, de ego inflado pela esposa Ylfa (Toni Collette), que, sem capacidade para criar ou inovar, comanda cientistas e estudiosos talentosos o suficiente para dar forma aos seus planos destrutivos. É Marshall quem controla toda a missão e declara guerra aos crawlers, sem ao menos tentar compreendê-los antes de atacar.  

Muito semelhante aos líderes da extrema-direita contemporânea, Marshall não mede esforços para concretizar sua política de colonização espacial. Enquanto isso, Mickey representa a classe explorada, a parcela endividada e descartável da sociedade, na qual o trabalho tem mais valor do que a vida, a existência pode ser substituída sem consequências, e o sofrimento é banalizado. Ele é submetido a um ciclo de subjugação, degradação física e moral, desumanização e objetificação da força de trabalho — um retrato feroz do capitalismo, abordado sob o olhar satírico e metafórico de Bong Joon-ho.  

“Mickey 17” também reflete sobre a filosofia do “eterno retorno”, de Nietzsche, questionando o ciclo repetitivo e inescapável da vida do protagonista. A cada morte, Mickey renasce, condenado a reviver o mesmo destino. É aí que surge o dilema: ele deve aceitar essa realidade ou reagir à imposição sistemática de seu sofrimento?  Robert Pattinson entrega uma performance excepcional, transformando sua voz, sotaque e até mesmo sua expressão facial e corporal para dar vida a Mickey. Seu trabalho traz ao personagem uma singularidade absurda, comprovando sua versatilidade como ator.

Filme: Mickey 17
Diretor: Bong Joon Ho
Ano: 2025
Gênero: Aventura/Drama/Ficção Científica
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★
Fer Kalaoun

Fer Kalaoun é editora na Revista Bula e repórter especializada em jornalismo cultural, audiovisual e político desde 2014. Estudante de História no Instituto Federal de Goiás (IFG), traz uma perspectiva crítica e contextualizada aos seus textos. Já passou por grandes veículos de comunicação de Goiás, incluindo Rádio CBN, Jornal O Popular, Jornal Opção e Rádio Sagres, onde apresentou o quadro Cinemateca Sagres.