Em “O Menu”, de Mark Mylod, lança um olhar mordaz sobre o cenário contemporâneo da arte e da indústria do entretenimento, combinando comédia, terror e uma crítica social envolvente. A narrativa começa com a promessa de um thriller intrigante, ambientado em um restaurante elitista, onde a obsessão de um chef em agradar seus clientes, representando a sofisticação e o controle, logo se transforma em uma sátira ácida das relações entre artistas, consumidores de arte e as forças comerciais que regem essas esferas. Ao transitar para uma atmosfera surrealista e distorcida, o filme questiona o verdadeiro valor da criação e a constante busca por aprovação, propondo uma reflexão sobre a alienação artística e o dilema da autenticidade.
O chef, vivido por Ralph Fiennes, representa o paradigma de um artista dilacerado pela pressão de um mercado que não mais reconhece a arte pela sua essência, mas pelo apelo imediato e superficial. A cozinha avant-garde que ele prepara reflete seu próprio desespero: uma tentativa de agradar um público distante da verdadeira paixão que ele um dia sentiu pela sua arte. A refeição oferecida aos convidados — um experimento de jantar meticulosamente orquestrado — serve como metáfora para o vazio existencial que ele agora experimenta. A crítica subjacente é clara: ao se submeter à busca incessante por status e validação, o verdadeiro significado da arte – seja na gastronomia, no cinema ou na moda — se perde. Ao mesmo tempo, o filme questiona como os criadores podem se manter fiéis à sua arte em um ambiente que celebra apenas o popular, o consumível e o lucrativo.
Essa reflexão se expande para os próprios convidados do restaurante, personagens que representam uma variedade de estereótipos sociais, todos retratados de maneira incisiva. O jovem casal em busca de status, os críticos gastronômicos que definem ou destroem reputações, o casal de idosos que incorpora a velha guarda política, e até mesmo o personagem de Tyler (Nicholas Hoult) — o espectador obcecado por fazer parte da experiência, mais do que realmente compreender o que está sendo oferecido — são manifestações da desconexão entre o consumo passivo e a genuína apreciação da arte. Esses personagens, em sua superficialidade e egoísmo, encarnam a crítica feroz de “O Menu” à sociedade contemporânea e à maneira como as expectativas sociais e o desejo de pertencimento moldam a relação com a arte.
O filme, no entanto, encontra sua verdadeira resistência na personagem Margot (Anya-Taylor Joy), que se opõe ao conformismo de seus pares. Ela é a única que se recusa a aceitar o que lhe é imposto sem questionar. Sua busca por autenticidade, manifestada na solicitação de um simples hambúrguer em meio ao banquete refinado, sublinha a mensagem central do filme: quando a busca pelo prazer e pelo sucesso se torna obsessiva e sem propósito, tudo o que realmente importa se perde. O hambúrguer, um prato aparentemente simples e destoante em um menu de alta gastronomia, se torna o símbolo da autenticidade e da conexão genuína. Ele representa a simplicidade e a verdade que a arte perdeu quando se rende à comercialização e ao mercado.
“A Menu” não é apenas uma sátira da indústria gastronômica, mas um comentário pungente sobre o destino da arte e da criação no capitalismo. O chef, que começou sua carreira com paixão e idealismo, torna-se, com o tempo, uma máquina de agradar, subjugada às expectativas do público e das forças de mercado. Sua transformação reflete o dilema dos artistas contemporâneos, que se veem forçados a criar para atender ao desejo do público, em vez de expressar algo autêntico. Ao construir um ambiente de extrema claustrofobia, onde as expectativas dos clientes são manipuladas e as narrativas se distorcem, o filme revela uma crítica feroz àqueles que controlam e definem o que é considerado arte ou valor. O chef perde sua capacidade de criar algo genuíno, à medida que se submete ao império do mercado e da cultura da celebridade.
No meio da crítica está o hambúrguer com queijo americano — um prato simples e inusitado em um restaurante de alto padrão. Este prato simbólico, com seu queijo derretendo suavemente, sem se separar, simboliza a união da arte com a simplicidade e a autenticidade. Ele reflete a perda do que realmente importa quando as pressões externas, como o desejo de lucro e a necessidade de agradar, distorcem a essência da criação. Ao reivindicar esse prato simples, Margot desafia as convenções e recorda a todos a verdadeira missão de um artista: não agradar a plateia com superficialidades, mas oferecer algo genuíno e genuinamente conectivo.
O desfecho do filme, quando Margot devolve o prato elaborado e pede um hambúrguer, marca uma ruptura profunda. Este ato não é apenas uma rejeição do refinamento ostentoso, mas uma reivindicação de autenticidade. Ao desafiar as normas e as expectativas, Margot não apenas se liberta, mas também ilumina a possibilidade de uma verdadeira experiência artística – uma que se baseia na sinceridade, não na busca incessante por aprovação. Sua resistência ao status quo é um lembrete de que, em um mundo saturado de superficialidade e conformismo, é necessário coragem para resistir e buscar algo mais verdadeiro e significativo.
“O Menu” funciona como uma reflexão profunda e multifacetada sobre o estado atual da arte e da sociedade. Ao questionar as pressões externas que formam e moldam a arte, o filme lança um olhar ácido sobre a superficialidade e o capitalismo, enquanto faz um apelo à autenticidade e à reconexão com o verdadeiro propósito criativo.
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