Desde seu surgimento, no século 6 a.C., a filosofia tenta dar ao homem alguma explicação para as muitas inquietações da alma humana. Ao tentar compreender o que se passa no espírito de cada indivíduo, valorizando justamente o caráter de especificidade, em que cada um é responsável por suas próprias escolhas, pelo caminho que decide trilhar — que por tortuoso que seja, pode conduzir a algum lugar de proveito —, por seus tropeços e suas glórias, o pensamento filosófico se organiza a fim de dar à vida uma ideia de que tudo converge para um mesmo fim, qual seja, extrai do mundo, da interação com os outros e, por óbvio, de como processamos essas informações à luz da nossa própria visão acerca da existência. Uma ideia muito particular de filosofia foi a companheira de Lee Miller (1907-1977), uma mulher que viu a História fazendo-se diante de seus olhos atentos. Miller, uma das primeiras jornalistas a saber que a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) havia acabado e que Adolf Hitler (1889-1945) estava morto, lançou-se a uma jornada homérica rumo ao que julgava ser sua vocação, retratar os últimos movimentos do nazismo e de seu líder endiabrado, o núcleo de “Lee”, um recorte da vida da ex-modelo que tornou-se uma das mais célebres fotógrafas do século 20.
Seja pela amplitude do tema, seja pelo alcance mercadológico, os filmes de guerra têm lugar garantido no cinema, por preservarem o caráter belicoso dessas narrativas enquanto diretores esmeram-se por contextualizar os eventos apresentados, quase sempre espinhosos, intrincados, que dependem da justa construção dramática para que façam sentido e, por óbvio, o espectador os absorva. Diferentes visões de um fato histórico, expostas e mesmo defendidas por diretores que convivem naquele universo por meses a fio, vêm à tona em produções muito bem-cuidadas, que põem por terra verdades monolíticas sobre dado assunto.
A diretora estreante Ellen Kuras mergulha de cabeça no caudaloso roteiro de John Collee, Liz Hannah e Marion Hume, uma adaptação fidedigna de “The Lives of Lee Miller” (“as vidas de Lee Miller”, em tradução literal; 1985), livro do fotógrafo britânico Antony Penrose, a fim de tirar dele passagens de fato extraordinárias da trajetória da protagonista, alguém que parecia disposta a pagar com a própria vida o privilégio de estar no lugar certo, na hora certa. Filho de Miller, Penrose surge em momentos espaçados do longa numa pungente e derradeira conversa com a mãe, o que só fica óbvio na iminência do desfecho. Entre outros assuntos, os dois falam sobre o famoso registro de Miller na banheira do Führer, e Kate Winslet e Josh O’Connor encerram os 117 minutos batendo na tecla da emoção, o maior atributo profissional de Lee Miller, que jamais pensou em deixar de lado. A humanidade agradece.
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