Eleições são sempre processos cheios de meandros obscuros, idiossincrásicos, alheios ao cidadão comum. Tanto pior se quem está na vitrine são homens ditos santos, imaculados, gente cuja formação inclui não apenas os textos bíblicos e os mais importantes ensaios sobre a cristandade, como também mira — ou deveria mirar — a ancestral prática de fazer o bem indiscriminadamente e a sufocação dos apetites da carne e dos desejos de poder. Tudo isso parece uma enorme incoerência diante de um pleito para o qual voltam-se quase um bilhão e meio de católicos no mundo inteiro, uma parte substancial do que Edward Berger apresenta em “Conclave”, mas não tudo.
Um dos diretores mais talentosos e inovadores do cinema hoje, Berger mostra-se também um iconoclasta sofisticado ao dar vida ao roteiro do dramaturgo britânico Peter Straughan, vencedor do Oscar de Melhor Roteiro Adaptado em 2025. Baseado no romance de mesmo nome do escritor inglês Robert Harris, de 2016, “Conclave” é um mergulho corajoso na alma humana, onde encontram-se segredos sujos e impublicáveis, que deveriam ser conhecidos apenas por Aquele que justificaria a existência mesma da Igreja. Tão ultrajada por quem teria a nobre obrigação de enaltecê-la.
Na primeira cena, alguns cardeais juntam-se em torno do leito de um ancião que lembra Joseph Ratzinger (1927-2022), o papa Bento 16, de Bruno Novelli. Entre eles está Lawrence, o representante da discreta cúria do Reino Unido, que precisa, antes de mais nada, remover O Anel do Pescador da mão de Sua Santidade para que se fabrique um novo selo. A força que Lawrence é obrigado a empregar para que a joia se solte é uma metáfora pouco sutil, mas eficaz, para aludir à delicadeza e aos tantos embaraços inerentes à transição, que se sucedem bem ao gosto de conspiradores dentro e fora do Vaticano. Seguindo a tradição, Lawrence, o decano, presidirá o Colégio dos Cardeais, que exige que Suas Eminências recolham-se 24 horas antes que a votação tenha início, numa dependência da Capela Sistina. Depois de contadas, as cédulas vão ao fogo, o que produz a tal fumaça branca ou negra, a depender da indecisão dos votantes. E então começam os problemas.
Porque humanos, todos os postulantes têm seus pontos fracos, mas uns são mais humanos que outros. Berger expõe as intrigas palacianas que envolvem Joshua Adeyemi, de Lucian Msamati, um cardeal africano que manteve um rumoroso caso com uma freira que, claro, está entre as irmãs que preparam e servem as refeições; e Vincent Benitez, o arcebispo de Cabul, a capital do Afeganistão, nomeado em segredo pelo papa morto e que chega de repente. Muito ainda acontece por baixo dos zucchetti, os solidéus vermelhos usado pelos cardeais por mera vaidade, mas nada é tão nefasto quanto à presença de Goffredo Tedesco, que abomina tudo isso e não vê a hora de promover uma verdadeira caça às bruxas, muito mais severa que a de Ratzinger.
Ralph Fiennes lidera um elenco primoroso, que ressuscita Isabella Rossellini a bom tempo, e abre espaço para os sempre expressivos John Lithgow e Stanley Tucci e, por evidente, para a vilania de Tedesco, encarnado sem juízos de valor e com toda a convicção por Sergio Castellitto. O diretor de fotografia Stéphane Fontaine minimiza a surpresa do desfecho protagonizada pelo cardeal Benitez de Carlos Diehz com o espetáculo de cor e sincronia daqueles cavalheiros engalanados em suas cintilantes batinas carmesins e a arquitetura magnificente a rodeá-los. Enquanto isso, Jorge Mario Bergoglio, o papa Francisco, luta por sua vida num quarto do Agostino Gemelli.
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