Recorde de bilheteria: filme francês mais visto da história, levou 20 milhões de pessoas às salas de cinema e está no Prime Video Divulgação / Pathé Renn Productions

Recorde de bilheteria: filme francês mais visto da história, levou 20 milhões de pessoas às salas de cinema e está no Prime Video

Alguns filmes se propõem a capturar a identidade de um povo e de sua terra sem recorrer a estereótipos fáceis ou sentimentalismo forçado. “A Riviera Não É Aqui” realiza essa façanha com maestria, equilibrando humor, autenticidade e uma visão cultural rica. Em sua narrativa, a comédia de Dany Boon vai além do simples entretenimento ao oferecer um olhar genuíno sobre a região de Nord-Pas-de-Calais e seus habitantes, desmistificando preconceitos e celebrando a diversidade dentro da própria França.

A trama acompanha Philippe Abrams (Kad Merad), funcionário dos correios, que, habituado ao conforto do sul da França, recebe uma transferência para o norte do país, um destino que ele imagina ser inóspito, frio e sombrio. Seu choque inicial dá lugar a uma descoberta encantadora: uma comunidade acolhedora, marcada por costumes peculiares, laços afetivos fortes e um dialeto próprio, o “ch’ti”. Essa jornada de transformação do protagonista não se limita à sua adaptação ao novo ambiente, mas revela a riqueza de um universo muitas vezes ignorado dentro do próprio imaginário francês.

O humor do filme é um de seus trunfos mais evidentes. Diferente de comédias que apostam em exageros ou caricaturas superficiais, “A Riviera Não É Aqui” constrói sua graça na observação detalhada das interações sociais e dos contrastes culturais. O dialeto local, por exemplo, não é apenas um artifício cômico, mas um elemento central da narrativa, utilizado para criar situações engraçadas e reforçar a identidade dos personagens. O roteiro ágil e os diálogos bem trabalhados garantem um ritmo envolvente, enquanto a direção de Dany Boon evidencia sua habilidade em captar os pequenos gestos e nuances que tornam cada cena memorável.

A química entre os protagonistas é outro fator que impulsiona a eficácia do filme. Merad dosa com perfeição a incredulidade inicial e a posterior admiração pelo novo lar. Sua atuação evita clichês, apresentando um personagem cuja evolução é genuína e emocionalmente ressonante. Dany Boon, que além de dirigir também atua, confere autenticidade ao seu papel e faz de cada interação um momento de conexão genuína com o público. A construção das relações entre os personagens se desenrola de maneira fluida, tornando suas histórias envolventes e suas reações, verossímeis.

Um dos aspectos mais admiráveis do filme é sua capacidade de subverter clichês ao mesmo tempo em que brinca com eles. O preconceito inicial de Philippe reflete a visão estereotipada que muitos franceses têm do norte do país, considerada uma região de poucos atrativos. No entanto, em vez de reforçar essa imagem, o filme trabalha gradativamente para desmontá-la, revelando uma terra rica em cultura e relações humanas profundas. Essa desconstrução se dá de maneira orgânica, sem discursos expositivos ou didáticos, mas por meio da experiência vivida pelo protagonista, que aprende a ver além dos próprios preconceitos.

A cidade de Bergues, onde a história se passa, ganha papel de destaque como mais do que um cenário, mas um personagem vivo. Suas ruas históricas, sua arquitetura pitoresca e suas tradições peculiares são captadas com sensibilidade, transportando o espectador para um universo que foge da imagem convencional da França cinematográfica. Em um meio dominado por narrativas centradas em Paris e na Riviera Francesa, “A Riviera Não É Aqui” reafirma a importância de olhar para outras regiões e valorizar suas particularidades.

Além de provocar risos, o filme consegue inserir momentos de reflexão e ternura sem que isso soe forçado. As cenas de maior carga emocional surgem naturalmente, equilibradas pelo tom leve e pela inteligência narrativa. A trajetória de Philippe não é apenas uma adaptação a um novo ambiente, mas uma jornada de autoconhecimento, na qual ele precisa confrontar suas próprias inseguranças e reconhecer que pertencimento não é definido por fronteiras geográficas, mas pelas conexões que construímos ao longo da vida.

No panorama do cinema francês contemporâneo, “A Riviera Não É Aqui” é um exemplo de como a comédia pode ser mais do que um simples entretenimento: pode ser uma ferramenta de aproximação, empatia e redescoberta cultural. Ao dar visibilidade a uma França muitas vezes esquecida, o filme ressignifica o olhar sobre o país e reforça que sua riqueza não está apenas nos ícones turísticos mundialmente conhecidos, mas também nos pequenos vilarejos e na autenticidade de seu povo. Se há algo a aprender com essa história, é que o verdadeiro calor não vem da geografia, mas das relações humanas que aquecem qualquer lugar do mundo.

Filme: A Riviera Não é Aqui
Diretor: Dany Boon
Ano: 2008
Gênero: Comédia/Romance
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★