Denzel Washington retorna ao papel de Robert McCall em uma continuação que expande a mitologia do personagem sem abandonar sua essência meticulosa e ambígua. Sob a condução de Antoine Fuqua, seu colaborador habitual, Washington encarna um justiceiro cujos métodos brutais contrastam com um temperamento sereno e uma mente disciplinada pela literatura clássica. Essa dualidade ganha novas camadas, tornando McCall um protagonista que transita entre o altruísmo genuíno e uma violência precisa, mas nunca gratuita. No entanto, por mais que o filme aprofunde essa complexidade, ele se esquiva de oferecer respostas definitivas sobre o que realmente impulsiona sua busca por justiça.
A narrativa se inicia com um McCall já plenamente integrado à sua nova identidade: um homem que leva uma vida aparentemente banal como motorista de aplicativo, mas que transforma suas interações cotidianas em oportunidades para restaurar um equilíbrio moral distorcido. A primeira cena, ambientada em um trem na Turquia, é um espetáculo de brutalidade contida, uma introdução estilizada que reforça a letalidade do protagonista. Mas é no contraste entre essa sequência inicial e sua rotina em Boston que o filme encontra seu ponto mais instigante. Ele se torna um observador silencioso das misérias urbanas e intervém com uma precisão cirúrgica, oferecendo desde pequenas vinganças discretas até ações mais drásticas para proteger aqueles que julga vulneráveis.
Um dos arcos mais envolventes da trama se desenrola na relação entre McCall e Miles, um jovem artista talentoso à beira de um destino trágico. Se por um lado McCall age como uma figura paterna, incentivando-o a canalizar seu talento para evitar os caminhos perigosos do crime, por outro, a ameaça de que seu próprio código moral possa corromper o garoto nunca deixa de estar presente. Esse equilíbrio frágil entre mentor e executor ressoa ao longo do filme, revelando um personagem que oscila entre redenção e condenação. A atuação de Ashton Sanders adiciona densidade a essa dinâmica, tornando cada diálogo um embate silencioso entre dois futuros possíveis.
Contudo, o longa não escapa de contradições estruturais. O roteiro busca um tom introspectivo, mas frequentemente recorre a set pieces grandiosas que, ao invés de reforçar o impacto dramático, acabam enfraquecendo a narrativa. O embate climático, ocorrido sob uma tempestade furiosa, tenta conferir uma grandiosidade operística ao desfecho, mas esbarra na artificialidade, retirando peso da conclusão. Da mesma forma, subtramas como a de um sobrevivente do Holocausto e sua busca por uma obra de arte perdida acabam funcionando mais como desvios sentimentais do que como elementos que enriquecem a história central.
Washington, no entanto, continua sendo o pilar inquestionável do filme. Sua presença magnética eleva cenas que poderiam facilmente parecer convencionais. Ao ler um trecho de Proust ou ao oferecer uma palavra de conselho a um estranho, ele comunica uma profundidade que vai além do texto escrito. O problema é que o filme confia tanto nesse carisma que acaba deixando de explorar McCall em toda sua complexidade. Seu código moral rígido e sua filosofia de justiça pessoal permanecem envoltos em mistério, sem que o roteiro tenha a coragem de confrontá-los verdadeiramente.
Comparado ao primeiro filme, esta continuação busca ampliar as camadas emocionais do protagonista, mas tropeça ao tentar equilibrar reflexão e espetáculo. Antoine Fuqua entrega cenas de ação bem coreografadas, mas o impacto emocional dessas sequências nem sempre se sustenta no desenvolvimento narrativo. Há momentos em que “O Protetor 2” se aproxima de algo genuinamente provocador, mas a necessidade de atender a expectativas convencionais do gênero impede que essa ambição se concretize por completo.
O resultado final é um filme sustentado pela força de seu protagonista, mas que hesita em ultrapassar os limites tradicionais do cinema de ação. A dualidade de McCall permanece intrigante, mas inexplorada em sua plenitude. Para os admiradores de Denzel Washington, sua performance justifica a experiência, mas a obra como um todo não consegue escapar da sensação de que há um potencial maior não realizado. Assim, “O Protetor 2” se posiciona entre o entretenimento eficaz e a promessa de um estudo de personagem que nunca se concretiza totalmente.
★★★★★★★★★★