O filme da Netflix que todos continuam assistindo 6 anos após o lançamento

O filme da Netflix que todos continuam assistindo 6 anos após o lançamento

Sandra Bullock raramente transmitiu uma presença tão severa. “Se olhar, você morre”, ela ordena sem hesitação, dirigindo-se a duas crianças pequenas, vulneráveis diante de uma ameaça invisível. Logo nos primeiros instantes da adaptação do romance de Josh Malerman, a intensidade da atriz se impõe. Sua personagem, Mallory, carrega um humor ríspido e uma relação hesitante com a maternidade, até que o mundo ao seu redor desaba, e hesitações já não são mais um luxo permitido.

A premissa se constrói em torno de um fenômeno inexplicável que varre o planeta, iniciando em pontos isolados como Sibéria e Romênia, antes de rapidamente se expandir. A calamidade se manifesta de maneira brutal: aqueles que entram em contato visual com a presença desconhecida são tomados por um impulso suicida incontrolável. Não há tempo para compreensão ou resistência. O colapso se desenha em questão de dias, e Mallory, antes imersa em dilemas pessoais, precisa encarar a realidade de um mundo em dissolução.

A trajetória de Bullock no gênero do suspense tem seus altos e baixos. Sua incursão anterior, “Premonição” (2007), passou despercebida e pouco acrescentou à sua filmografia. Entretanto, desde então, a atriz oscilou entre premiações que foram do Oscar ao Framboesa de Ouro, consolidando uma carreira capaz de equilibrar prestígio e popularidade. Aqui, o papel se ajusta como uma luva a seu perfil dramático: uma sobrevivente endurecida pelas circunstâncias, cética e pragmática, mas que não pode se dar ao luxo de ignorar o instinto de proteção que cresce dentro de si.

As comparações com “Um Lugar Silencioso”, lançado no mesmo período, são inevitáveis. Se o filme de John Krasinski explorava a ausência do som como fator de tensão, este se ancora na privação da visão como condição para a sobrevivência. A mecânica do terror se estabelece de maneira eficiente, transformando algo corriqueiro — abrir os olhos — em uma sentença de morte. No entanto, assim como seu contraponto cinematográfico, a obra padece de falhas estruturais que impedem uma imersão plena. A narrativa, por vezes, se apoia demais no conceito e negligencia a construção de seus personagens secundários.

No refúgio onde Mallory busca abrigo, um grupo de sobreviventes estabelece uma convivência frágil, marcada por desconfiança e necessidade. O elenco coadjuvante injeta dinamismo: John Malkovich se diverte interpretando um paranoico de humor ácido, enquanto Jacki Weaver imprime empatia em uma figura maternal. Trevante Rhodes, de “Moonlight”, injeta um contraponto de humanidade e força, e Danielle MacDonald adiciona vulnerabilidade ao conjunto. Embora o roteiro não se aprofunde nos indivíduos, a dinâmica do grupo sustenta a tensão e amplifica o impacto da ameaça externa.

A história se desenrola alternando passado e presente, um recurso que amplia o suspense e fragmenta a tensão de maneira estratégica. Cinco anos após o início do colapso, Mallory segue apenas com duas crianças — sem nomes próprios, identificados apenas como “Garoto” e “Garota” — em uma travessia arriscada. O destino pode significar a salvação, mas o trajeto exige um desafio extremo: navegar um rio traiçoeiro com os olhos vendados. Qualquer contato visual com as entidades invisíveis condenaria a todos a um fim instantâneo.

Bullock carrega o filme nas costas, sustentando uma atuação que equilibra frieza e desespero. Sua Mallory é uma figura moldada pela adversidade, resistente à conexão emocional, mas não imune a ela. O roteiro, no entanto, não acompanha a densidade da protagonista. Em alguns momentos, a narrativa se rende à previsibilidade, evocando ecos de filmes como “Fim dos Tempos” e produções apocalípticas do gênero zumbi, sem o aprofundamento necessário para se diferenciar de suas referências.

Ainda assim, há méritos que impedem a obra de se dissolver na banalidade. A direção de Susanne Bier mantém um tom sombrio, sem suavizar a violência e o desespero inerentes à trama. A trilha sonora de Trent Reznor e Atticus Ross atua como uma força invisível, instaurando um estado constante de inquietação. O conceito central é poderoso e ressoa como uma metáfora eficaz sobre a cegueira literal e figurada diante da realidade.

Porém, há um limite para o impacto da experiência. O filme, mesmo eficiente em sua construção de tensão, não consegue transcender as barreiras de um suspense convencional. Sua força reside no conceito e na entrega de sua protagonista, mas a ausência de profundidade em seu universo narrativo impede que a história deixe marcas mais profundas. Personagens são esboçados, mas raramente aprofundados. O próprio desfecho se desenrola de maneira previsível, privando a trama da ambiguidade ou complexidade que poderia torná-la memorável.

Ainda assim, dentro de suas ambições, a produção cumpre seu papel. É uma jornada de sobrevivência que se apoia em instintos primários e na resiliência de sua personagem central. Enquanto entretenimento, prende a atenção e entrega momentos de genuína tensão. No entanto, sua permanência na memória do público dependerá mais da presença de Bullock do que da originalidade de sua execução.

Filme: Bird Box
Diretor: Susanne Bier
Ano: 2018
Gênero: Ficção Científica/Terror
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★