A sede por justiça, frequentemente confundida com desejo de vingança, é um dos motores mais antigos da narrativa. No cinema, poucas tramas são tão visceralmente eficazes quanto aquelas que exploram o impulso incontrolável de revidar uma injustiça brutal. “Olho por Olho” é um desses filmes que mergulham na zona cinzenta da moralidade, levando o espectador a questionar os limites entre a busca por reparação e a escalada da violência pessoal. No centro da história está Karen McCann, interpretada por Sally Field, uma mãe devastada pela morte brutal da filha, vítima de um criminoso sádico que escapa impune da justiça convencional.
Keifer Sutherland encarna Robert Doob, um estuprador e assassino sem remorso, cuja impunidade desafia qualquer noção de equidade. Seu desempenho é tão perturbador quanto fascinante. Sutherland constrói um vilão que não apenas provoca repulsa, mas também uma reação quase instintiva de repúdio. Sua presença na tela é de um magnetismo cruel, evocando comparações com atores como Ray Liotta e Michael Keaton, cujas melhores performances muitas vezes se deram em papéis de antagonistas inescrupulosos. Se há algo que “Olho por Olho” faz com maestria, é destacar essa habilidade inata de Sutherland para personagens que provocam um misto de ódio e fascínio.
A sequência de estupro que desencadeia a jornada de Karen é uma das mais impactantes do filme. Diferentemente da abordagem comum em produções televisivas, que suavizam a brutalidade ao limitar o enquadramento ou sugerir mais do que mostram, essa cena não se furta a exibir a violência de forma explícita e perturbadora. O modo como é filmada, sem recorrer à nudez gratuita, mas enfatizando a expressão de dor e horror da vítima, confere um realismo que ressoa na memória do espectador muito tempo depois dos créditos finais. É uma cena que transcende a ficção e se impõe como um dos momentos mais angustiantes do gênero, um choque que desafia o público a confrontar a crueldade impune que motiva toda a narrativa.
No entanto, o filme não se sustenta apenas na força dessa cena inicial. Seu desenvolvimento adota a estrutura clássica de um thriller de vingança, evocando inevitáveis comparações com “Desejo de Matar”. Mas enquanto Charles Bronson parecia nascer para encarnar o arquétipo do vigilante urbano, Sally Field causa certa estranheza nesse papel. Conhecida por personagens doces e carismáticos, sua transformação em uma justiceira implacável exige do espectador um esforço para dissociá-la da imagem que construiu ao longo da carreira. Ainda assim, sua atuação convence pelo desespero e pela determinação de uma mãe que percebe que o sistema falhou e que, para evitar que outros passem pelo mesmo sofrimento, precisa agir com as próprias mãos.
“Olho por Olho” não é um filme isento de falhas. Seu roteiro, por vezes previsível e repleto de conveniências narrativas, não se preocupa em aprofundar questões jurídicas ou morais. Em vez disso, aposta no impacto emocional e na catarse proporcionada pela punição do vilão. A manipulação sentimental é evidente, e há momentos em que a construção dos personagens se inclina ao exagero, transformando Doob em um antagonista quase caricatural. No entanto, para os fãs por histórias de vingança, esses aspectos não representam necessariamente um defeito. O filme entrega exatamente o que se propõe a oferecer: uma experiência intensa e angustiante, onde o senso de justiça é subvertido pelo desejo primal de retaliação.
“Olho por Olho” é um exemplo eficaz do gênero, impulsionado por atuações marcantes e uma narrativa que, mesmo sem sofisticação, mantém o espectador preso até o desfecho. Ele reafirma a eficácia do cinema de vingança ao transformar uma tragédia pessoal em um dilema moral e emocional. Talvez não seja um filme para quem busca nuances e reflexão aprofundada, mas, para aqueles que se deixam levar pela fúria da protagonista e pelo horror provocado por Sutherland, é um retrato brutal de um instinto humano tão antigo quanto a própria justiça: o desejo de vingança.
★★★★★★★★★★