A existência nos é entregue sem manual de instruções, sem qualquer garantia de que saberemos suportá-la ou mesmo compreender seu sentido. A cada amanhecer, nos deparamos com um itinerário imprevisível, uma sequência de eventos que, indiferentes à nossa preparação ou desejo, se impõem sobre nós. Entre momentos de júbilo e quedas abruptas, seguimos nutrindo a esperança de que o acaso nos seja generoso, de que o inesperado nos traga mais afagos do que golpes.
Cada um carrega segredos irrenunciáveis, memórias e fragilidades cuidadosamente enclausuradas, protegidas até mesmo de nossa própria consciência. Somos arquitetos de nossas próprias ciladas, nos aprisionamos em preceitos intransponíveis e, quando a felicidade finalmente se insinua, elaboramos novas barreiras para mantê-la à distância. O tempo, por sua vez, tem sua própria lógica cruel: em um instante nos sentimos protagonistas, no seguinte, nos damos conta de que fomos coadjuvantes de uma história que passou enquanto olhávamos para o lado. Essa é, talvez, a condenação inevitável de existir.
Diante desse dilema humano, “Nossas Noites” não se apressa em definir sua natureza. O longa de Ritesh Batra, adaptado da obra de Kent Haruf, nos conduz com passos medidos ao centro de um drama que ressoa para além de seus protagonistas. No princípio, parece flertar com o noir, sugerindo sombras e mistérios, mas logo dissolve essa impressão, revelando um enredo guiado menos pelo suspense e mais pelo peso das ausências. O convite feito por Addie Moore, vivido por Jane Fonda, a Louis Waters, papel de Robert Redford, para dividir a cama — mas não no sentido convencional — destoa da gramática das grandes paixões cinematográficas. Não há promessas inflamadas ou juras de amor eterno, apenas um pacto discreto contra a solidão. A partir desse instante, a trama deixa de lado qualquer ambiguidade e nos conduz por caminhos que, se não inéditos, são tratados aqui com uma franqueza que os torna singulares. A sutileza das atuações e a contenção emocional fazem do filme uma experiência que se impõe sem recorrer a artifícios óbvios.
O peso simbólico de Fonda e Redford na história do cinema confere à narrativa um brilho adicional. Ao longo de décadas, essas duas figuras moldaram personagens marcantes, alternaram sucessos e fracassos, e consolidaram uma química rara, perceptível desde “Descalços no Parque” (1967). Na juventude, seus papéis refletiam um espírito libertário, uma celebração das pequenas alegrias da vida, sintonizados com a contracultura e a resistência ao conformismo.
Agora, reencontram-se em um contexto diametralmente oposto: não há mais espaço para idealizações românticas, e o que resta é um inventário das cicatrizes que o tempo impôs. Ainda assim, há algo inquebrantável neles. Os anos trouxeram rugas e hesitações, mas também uma lucidez que os torna ainda mais magnéticos. É fascinante perceber que, mesmo interpretando personagens distintos, há um espelhamento inevitável entre Addie e Louis e os próprios Fonda e Redford. Como se, de alguma forma, o filme servisse de epílogo para uma trajetória compartilhada.
A direção de Batra, ao lado do roteiro de Scott Neustadter e Michael H. Weber, preserva a leveza do material original sem sacrificar a profundidade. A trilha sonora de Elliot Goldenthal, com suas melodias evocativas de banjo e a presença de canções clássicas do “Highwaymen”, compõe uma atmosfera que nos remete a uma América interiorana nostálgica e algo melancólica. A fotografia de Stephen Goldblatt reforça esse clima, explorando a relação entre luz e sombra para traduzir visualmente a alternância entre esperança e resignação.
“Nossas Noites” não recorre a artifícios para comover, tampouco se perde em discursos grandiloquentes sobre a velhice ou o amor tardio. Sua força reside na delicadeza com que aborda o ordinário, no respeito que dedica às pequenas decisões que moldam nossos destinos. O filme não busca provocar lágrimas fáceis, mas, ao capturar a beleza que existe na simplicidade de um gesto, na generosidade de uma companhia silenciosa, se torna infinitamente mais poderoso.
A relação entre Addie e Louis, embora envolta em doçura, não se furta aos desafios. O passado nunca desaparece por completo, e os filhos de ambos, interpretados por Judy Greer e Matthias Schoenaerts, emergem como lembretes incômodos de que cada escolha traz consigo um histórico de consequências. O roteiro não os demoniza, mas tampouco suaviza seus papéis como obstáculos à frágil construção de um novo afeto.
Entre as provocações dos velhos amigos no café local e as tensões familiares, o casal precisa negociar os termos de sua felicidade. A resolução desse embate não segue o caminho esperado, e o desfecho se insinua mais do que se impõe. Há uma despedida, talvez definitiva, mas também a promessa de que, de algum modo, o vínculo permanecerá. O filme não oferece certezas, apenas possibilidades — e talvez seja justamente isso o que o torna tão honesto e, paradoxalmente, inesquecível.
★★★★★★★★★★