Além de poder dar-se ao luxo de recusar um Nobel, um cientista adquire também a habilidade de mover-se a um ritmo anormal para os outros seres humanos; consegue localizar-se em qualquer lugar do mundo seja dia ou noite — aliás, ele fica especialmente confortável imerso nas trevas —, como se dotado de um radar que nunca falha; e… bebe sangue como se fosse um néctar paradisíaco. Michael Morbius talvez seja o personagem mais cheio de controvérsias do Universo Cinematográfico Marvel, e também por isso passou a ter um filme para chamar de seu: em “Morbius”, o chileno-sueco Daniel Espinosa tenta retratar a face mais obscura de um dos arquivilões dos quadrinhos criados por Gil Kane (1926-2000) e Roy Thomas, dando-lhe ainda a chance de explicar o porquê dessa misantropia. O roteiro de Matt Sazama e Burk Sharpless fixa-se ora no que levou Morbius até essa vida, ora no futuro que deseja para si e para a humanidade, dois caminhos que talvez não convirjam. Mas desistir passa longe dos seus planos.
Pouco depois da introdução, Espinosa explica que Morbius fundiu seu DNA com o código genético dos morcegos, numa tentativa de curar uma doença sanguínea que o atormenta desde o ventre materno. Ele padece de uma severa hipersensibilidade à luz, não metaboliza direito as proteínas, necessita muletas para andar e desenvolve um estranho gosto pelo que falta ao seu organismo. Esse Batman anêmico também dispõe de sua caverna e também perdeu os pais cedo, e no orfanato conheceu Lucian Crown, o melhor amigo que 25 anos depois vale-se de suas descobertas para se transformar num vampiro e gozar de superpoderes e, claro, da eternidade. Outros personagens morrem e tornam à vida graças ao sangue de Morbius, justamente quando o cientista está mais dissociado de suas pesquisas; isso colabora para que ganhe força a ideia da duplicidade do vilão, um clichê que sempre rende nessas narrativas.
“Morbius” digere as metáforas quanto à natureza sombria do personagem-título ao passo que não deixa de iluminar a relação dialética entre ele e Lucian, o médico e o monstro, não obstante Morbius não vá jamais tornar-se nenhum anjo. Em performances sem muito esforço (e às vezes protocolares), Jared Leto e Matt Smith passeiam entre os dilemas morais de Morbius e Lucian, mediados por Martine Bancroft, a colega de trabalho do Homem-Morcego da Marvel interpretada por Adria Arjona, com quem vive um antirromance que nunca engata. Talvez por ele ser já casado com suas obsessões.
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