Até que ponto o ambiente pode esculpir não apenas o temperamento, mas as angústias e os mecanismos de defesa de um indivíduo? Essa é a inquietação que permeia “O Vento”, um western de terror que opera dentro do rigor estilístico do gênero, mas se expande para questionamentos sobre o isolamento e sua influência na psique humana. Na paisagem desolada do século XIX, um casal perdido na vastidão árida da América profunda vê suas certezas desmoronarem sob o peso da solidão, da religiosidade manipuladora e da suspeita.
Longe de se limitar à superfície dos códigos do horror, o filme de Emma Tammi investiga o efeito corrosivo do isolamento, capaz tanto de iluminar a alma quanto de arrastá-la para um abismo de desespero e superstição. Na trama, a introspecção forçada pelo exílio rural desvela fragilidades latentes, exploradas com precisão pela fotografia de Lyn Moncrief e pelo roteiro de Teresa Sutherland, que traduzem a geografia em uma extensão dos tormentos internos de seus personagens. O resultado é uma experiência que se constrói na tensão contínua, em uma sucessão de imagens que carregam o espectador para dentro do vazio existencial dos protagonistas.
Lizzy Macklin e seu marido, Isaac, residem em um casebre modesto, mas sem qualquer encanto, perdido entre gramíneas secas e arbustos que se contorcem ao vento como se sussurrassem ameaças invisíveis. A esperança de dias melhores parece sempre além do alcance, e qualquer tentativa de reagir à hostilidade do ambiente esbarra na passividade que os define. Não há carisma na apatia do casal, tampouco há heroísmo em sua resignação: são personagens que oscilam entre a credulidade e o desespero, entregues à crença de que suas aflições são ora castigo divino, ora artimanha diabólica. A ruptura desse cotidiano de submissão chega com a visão perturbadora de um corpo feminino sem vida, estirado no solo seco, a cabeça atravessada por um buraco profundo. Esse momento, mais do que um evento trágico, funciona como um divisor de águas para Lizzy, que começa a perceber fissuras na realidade ao seu redor, como se algo insidioso se insinuasse por entre as frestas de sua própria sanidade.
A chegada do bebê da mulher morta adiciona outra camada de inquietação ao cenário. Isaac, sem maiores explicações, traz consigo a criança, envolta em um tecido alvo que contrasta com a aridez do ambiente. A partir desse ponto, a narrativa toma um rumo ainda mais ambíguo, abrindo espaço para uma investigação psicológica sobre as razões e as circunstâncias que levaram ao desfecho trágico daquela mãe e de seu filho. O filme evita oferecer respostas fáceis, trabalhando em um terreno de incerteza onde o sobrenatural e o delírio se confundem.
A essa altura, Caitlin Gerard e Ashley Zukerman sustentam a tensão com atuações que equilibram fragilidade e inquietação, até que novos personagens surgem para expandir a trama. Emma e Gideon Harper, interpretados por Julia Goldani Telles e Dylan McTee, são figuras que poderiam representar algum alívio na opressão daquele universo, mas sua presença apenas amplifica a sensação de estranhamento, tornando-os peças de um jogo cujas regras são desconhecidas até pelos próprios participantes.
A grande questão que atravessa “O Vento” é o que de fato perturba Lizzy: uma mente à beira do colapso ou forças que escapam à compreensão? A hesitação em responder é parte do que torna o filme fascinante, pois mantém o espectador oscilando entre a racionalidade e o medo irracional. Emma Tammi e Teresa Sutherland trabalham com uma narrativa fragmentada, alternando entre avanços e recuos temporais que reforçam a sensação de deslocamento da protagonista. Cada susto não vem apenas do inesperado, mas da construção meticulosa de uma atmosfera em que o próprio silêncio é ameaçador. Lizzy, afinal, parece querer que o horror ao seu redor seja tão imenso quanto sua solidão, como se, ao amplificar o medo, encontrasse nele um espelho para sua própria existência dilacerada.
★★★★★★★★★★