O casamento é, ao mesmo tempo, uma ruína e um ideal. Uma instituição que sobrevive a despeito de seus fracassos, sustentada menos pela realidade do afeto do que pelo fascínio que exerce sobre aqueles que ainda não a experimentaram. Dois indivíduos distintos, cada um com sua história, sua bagagem emocional e suas idiossincrasias, decidem unir suas trajetórias, acreditando que caminhar lado a lado é possível. Mas e quando o percurso se revela sinuoso? O que acontece quando a promessa de eternidade se desfaz diante da inevitável colisão entre expectativas e limitações humanas?
Vinicius de Moraes, que compreendia o amor com a mesma intimidade com que o vivia, captou essa efemeridade essencial ao escrever que ele deve ser infinito enquanto dura. Uma constatação tão óbvia quanto devastadora. Já Fernando Pessoa, com sua peculiar ironia existencial, afirmou que o amor, na sua essência, é ridículo. E talvez seja mesmo: um salto no desconhecido, um jogo onde as regras se desfazem no exato momento em que parecem compreendidas.
A diretora sueca Josephine Bornebusch, em sua dramédia “O Que Tiver Que Ser”, explora essa tensão com um olhar que remete à acidez de Machado de Assis e ao pessimismo existencial de Ingmar Bergman. Seu filme é um estudo sobre o amor descompassado, sobre a dificuldade de conciliar sentimentos com convenções, e sobre a desconfortável percepção de que, muitas vezes, a estrutura social do matrimônio funciona mais como uma gaiola do que como um abrigo. Se o amor é uma dádiva dos deuses, o casamento — como sugere Bornebusch — pode muito bem ter sido arquitetado pelo diabo.
No mundo das ideias, a família deveria ser um projeto construído com tempo e discernimento. Duas pessoas livres e maduras se conheceriam, atravessariam o rito do encantamento, se permitiriam tropeçar em diálogos banais e beijos desajeitados, consolidariam uma relação, e só então pensariam em filhos. Mas a vida real, com sua ironia afiada, frequentemente ignora esse roteiro idealizado. O amor se impõe de maneiras caóticas, os compromissos se estabelecem antes que se compreenda o que realmente se deseja, e o papel do Estado se infiltra para intermediar laços que nem sempre foram forjados na espontaneidade.
É nesse contexto que encontramos Stella, a protagonista do filme, uma mulher que não se encaixa no molde da mãe ou da esposa perfeita, mas que, ainda assim, se atormenta pela tentativa de sê-lo. Quando Gustav, terapeuta de casais e seu marido, anuncia que deseja o divórcio, a revelação atinge Stella como um vendaval. Ela tinha algo crucial a compartilhar com ele e com os filhos, Anna e Manne, mas sua voz é soterrada pelo impacto do abandono.
O roteiro, assinado pela própria Bornebusch, acompanha essa jornada de desmoronamento e reconstrução sem recorrer a sentimentalismos baratos. E, ao assumir o papel de Stella, a diretora entrega uma performance que equilibra fragilidade e resiliência, sem nunca cair na armadilha da autocomiseração. Há ecos de Bergman em sua abordagem, mas não como uma mera emulação: sua assinatura está ali, forte e inconfundível, traduzindo as angústias do amor moderno com um misto de brutalidade e ternura.
No fim, o que resta quando as promessas se desfazem? Talvez apenas o aprendizado de que o amor e o casamento são duas entidades que nem sempre caminham juntas — e que isso, longe de ser uma tragédia, pode ser apenas a natureza das coisas.
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