Terrence Malick, um dos cineastas mais obstinados em sondar os recônditos da existência, estrutura em “A Árvore da Vida” uma tentativa de contato direto com o espectador, recorrendo a suas próprias reminiscências para erguer um mosaico de experiências universais. Ao transformar um enredo aparentemente corriqueiro em um campo de exploração filosófica, ele desafia quem assiste a enxergar na jornada de uma família texana, nos anos 1950, um reflexo de sua própria biografia.
A grande aposta do diretor é convencer de que esse relato fragmentado, marcado pela dualidade entre rigor e suavidade, é, no fundo, uma metáfora para toda a condição humana. Para tal, recorre ao trabalho singular de Emmanuel Lubezki, cuja fotografia transita entre a austeridade dos enquadramentos geométricos e a efemeridade de imagens que dispensam palavras. A ligação entre filme e público se dá não por elaboração discursiva, mas por um vínculo primitivo, quase sanguíneo.
No coração da narrativa, os O’Brien ocupam um pedaço do Texas que parece existir fora do tempo, uma paisagem de quintais generosos e lares sem barreiras, onde o vento atravessa as janelas e as vozes adultas ressoam no verão despreocupado das crianças. Jack, Steve e seu irmão menor percorrem esse espaço como se dele fossem extensões, desprovidos da noção de finitude que virá mais tarde. Malick, ao projetar sua própria infância na tela, se irmana a Tolstói, enxergando o todo a partir de um ponto focal aparentemente diminuto. A sensação de pertencer a um mundo menos amuralhado não exige experiência prévia: atinge também aqueles que nunca souberam o que é uma rua sem temor, demonstrando como memória e anseio se entrelaçam.
O ritmo do filme é conduzido com maestria, alternando afastamento e aproximação, testando a imersão do espectador. Lubezki, que depois reencontraria Malick em “Amor Pleno” (2012) e “Cavaleiro de Copas” (2015), ajusta a distância emocional das cenas com enquadramentos que ora sugerem reverência, ora transmitem fragilidade. Os personagens são manipulados como peças de um jogo existencial, e entre eles se destaca o patriarca O’Brien, interpretado por Brad Pitt, cuja presença imponente se impõe até mesmo pela ausência de um primeiro nome, reforçando seu arquétipo universal.
O corte de cabelo meticulosamente ajustado e a postura irredutível indicam um homem que rege sua família com mão firme, um traço que reverbera em seu primogênito, Steve, destinado a partir para a Guerra do Vietnã e jamais retornar. Essa lacuna inaugura um novo ciclo: Jack, o filho caçula, mergulha em questionamentos existenciais que atravessam o tempo e o espaço, ligando a expansão do universo ao destino de um irmão que se torna ausência.
Hunter McCracken corporifica as inquietações mais cruas de Jack, antecipando a transição para a fase adulta, encarnada por Sean Penn. Este, encarregado de sustentar a conclusão do relato, não busca um desfecho conciliador, mas um elo que ressignifique a perda, um convite à continuidade. A narrativa sugere que a vida se perpetua como uma corrente invisível, um ciclo de matéria e memória incessante. Essa perspectiva metafísica encontra eco na figura materna, interpretada por Jessica Chastain, que simboliza a resignação e a transcendência. Sua presença etérea sugere um contraste com a rigidez do marido, construindo um contraponto que se reflete em outros papéis que assumiria ao longo da carreira, como em “Os Olhos de Tammy Faye” (2021), em que canaliza sua expressividade para transitar entre devoção e manipulação.
A história dos O’Brien se repete sob milhões de tetos ao redor do mundo, ecos de um drama compartilhado que se desdobra incessantemente. “A Árvore da Vida” ultrapassa a tela ao revelar que sua existência não está restrita ao cinema, mas se estende em cada gesto, em cada silêncio e em cada saudade que persiste. Malick, ao documentar o que se dissipa, reforça a evidência de que certas histórias não precisam ser contadas para continuarem existindo.
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