Um homem atormentado encara sua própria distorção refletida no espelho deformante de um parque de diversões itinerante. A imagem, longe de ser um mero capricho visual, carrega o peso de uma existência consumida por artimanhas, enganos e uma busca desesperada por controle. “O Beco do Pesadelo”, dirigido por Guillermo del Toro, não se distancia do fascínio do cineasta por alegorias exuberantes, mas aqui a opulência estética se dobra ao que se esconde por trás das aparências, escorrendo por entre camadas de ilusão e desencanto.
A adaptação do romance de William Lindsay Gresham, publicado em 1946, não apenas revisita o mundo dos espetáculos de feira e suas figuras marginais, mas também sonda os caminhos tortuosos que alguns trilham para sustentar a própria sobrevivência, evidenciando a fragilidade dos que se julgam acima da ruína. Del Toro constrói uma experiência que oscila entre o onírico e o palpável, desafiando a percepção do público ao imergi-lo em um universo de artifícios meticulosamente elaborados para seduzir e ludibriar.
A jornada de Stanton Carlisle inicia-se na poeira das estradas dos anos 1930, até que ele se infiltra no circo de Clem Hoately, um ambiente onde o grotesco e o deslumbrante se entrelaçam. Bradley Cooper e Willem Dafoe estabelecem uma dinâmica magnética nesse trecho inicial, sustentada por um desenho de produção que explora cada sombra e cada fenda dos bastidores decadentes da trupe. O verde e o vermelho, saturados e opressivos, evocam um universo visualmente carregado, reminiscente do classicismo sombrio que já permeava “O Beco das Almas Perdidas” (1947), adaptação anterior do romance, dirigida por Edmund Goulding.
Entretanto, a fotografia de Dan Laustsen eleva essa atmosfera a outro patamar, impregnando os cenários de uma luminescência espectral. O efeito se estende aos personagens, como Molly Cahill, a Mulher-Raio, cuja performance como condutora de eletricidade é teatralmente amplificada pelo anão Major, vivido por Mark Povinelli. Por trás do espetáculo, esconde-se a exploração cínica de arquétipos sensacionalistas, desde o “monstro” que devora frangos vivos — apenas um homem derrotado pela miséria e pelo álcool — até os falsos profetas da mente humana, que manipulam esperanças alheias em nome do poder.
Quando a trama se desloca para Buffalo, Stan, agora um mentalista experiente, coloca suas habilidades em prática, crente de que domina o jogo. No entanto, a aparente escalada do vigarista esbarra em um obstáculo tão elegante quanto implacável: Lilith Ritter. Cate Blanchett veste sua psiquiatra com um verniz de sofisticação glacial, desenhando uma figura que enxerga além das artimanhas do protagonista e o conduz, sem que ele perceba, ao seu próprio labirinto de ilusões.
O roteiro, assinado por Del Toro e Kim Morgan, confere ao confronto entre os dois um requinte que transforma a emboscada psicológica em um embate de forças quase mitológicas. O desfecho, por mais que pareça alinhar-se a uma espécie de justiça cósmica, não se apoia em um moralismo simplista, mas sim na inescapável ironia que permeia a trajetória do personagem. Del Toro, mesmo ao trabalhar dentro das expectativas do gênero, mantém intacta sua habilidade de provocar assombro, conduzindo o espectador por um percurso onde o inevitável nunca se revela sem antes seduzi-lo com a ilusão do controle.
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