Se você perdeu nos cinemas, agora é sua chance de ver no Prime Video um dos filmes mais premiados dos últimos 3 anos Divulgação / Focus Features

Se você perdeu nos cinemas, agora é sua chance de ver no Prime Video um dos filmes mais premiados dos últimos 3 anos

Desvendar “Tár” é submeter-se a uma experiência que desafia percepções e exige comprometimento intelectual. Durante seus extensos 160 minutos, Todd Field constrói, com meticulosidade quase cirúrgica, o retrato de uma mulher cuja genialidade e poder transitam por uma zona ambígua de fascínio e desconforto. A personagem-título, uma regente de renome, encarna um paradoxo contemporâneo: a supremacia do talento confrontada por uma cultura de julgamento imediato, que muitas vezes ignora a complexidade humana em favor de narrativas simplistas e polarizadas.

Field, com sua prosa rigorosa e envolvente, garantiu a indicação ao Oscar de Melhor Roteiro Original, e é quase assombroso conceber que toda essa intricada trama não deriva de um caso real, mas sim da inventividade de um cineasta que compreende a psicologia de sua protagonista com uma profundidade rara. A produção foi também destacada nas categorias de Melhor Filme, Direção, Fotografia, Edição e, evidentemente, Melhor Atriz, reconhecendo a atuação visceral de Cate Blanchett, cuja presença transcende a tela e materializa a enigmática Lydia Tár.

Há algo de etéreo na forma como Tár caminha pelo mundo, como se sua conexão com a realidade fosse regulada por um compasso próprio, alheio ao ritmo ordinário da vida comum. A maestrina — que detestaria ser chamada assim — domina o universo da música erudita com autoridade inquestionável e nutre uma devoção singular por Gustav Mahler, cuja obra lhe serve não apenas como referência, mas como um canal de comunicação quase mística.

Sua jornada é delineada desde um evento inicial significativo: uma entrevista conduzida por Adam Gopnik para “The New Yorker”, onde exibe conhecimento enciclopédico sobre Beethoven, aborda manifestações artísticas de sociedades ancestrais da Amazônia e revisita a trajetória de Antonia Brico, pioneira na regência feminina. Seu vínculo com Leonard Bernstein também é resgatado, não sem a sutileza de uma diferença fundamental: ao contrário dele, ela alcançou o status de EGOT, distinção reservada a poucos nomes que conquistaram Emmy, Grammy, Oscar e Tony.

Antes de retornar a Berlim, sua base de operações, Tár conduz um seminário na Juilliard, onde um aluno, Max, provoca um embate emblemático. O jovem, negro e gay, rejeita Bach sob a justificativa de que o compositor negligenciou parte de seus vinte filhos. A discussão, deixada em suspenso por Field por grande parte do filme, retorna no momento exato em que a narrativa exige seu desdobramento definitivo. Com precisão milimétrica, o diretor-roteirista tece um elo entre essa cena e a derrocada inevitável da protagonista, consolidando a força do roteiro e sua habilidade de antecipar sem revelar.

O filme também se constrói como um intricado jogo de poder entre mulheres. Lydia Tár, abertamente lésbica, transita por um círculo feminino onde cada interação carrega nuances de aliança e manipulação. Francesca, sua assistente interpretada por Noémie Merlant, emerge como um dos pontos centrais dessa dinâmica, especialmente em relação a um certo histórico de correspondências com Krista Taylor, personagem ausente que reverbera por toda a trama. Nessa teia de influências e sombras, Blanchett atinge um de seus momentos mais brilhantes na tela, ainda que a Academia tenha preferido ignorá-lo em favor de escolhas mais cômodas. Se a atriz saiu injustiçada, Lydia Tár encontrou um destino muito mais severo.

Filme: Tár
Diretor: Todd Field
Ano: 2022
Gênero: Drama
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★