Poucos escritores foram capazes de capturar a dualidade essencial do amor com a precisão de Jane Austen (1775-1817), cuja obra reflete não apenas sua visão aguçada sobre as relações humanas, mas também um comentário mordaz sobre a estrutura social que confinava as mulheres de sua época. Embora tenha vivido à margem do reconhecimento em vida, Austen construiu um legado literário que atravessou séculos, encontrando leitores cada vez mais fascinados com sua inteligência e ironia refinada. Seu romance mais emblemático, “Orgulho e Preconceito”, publicado em 1813, permanece como um dos retratos mais vívidos da luta entre desejo e convenção, liberdade e obrigação. Austen, que sucumbiu ao mal de Addison aos 42 anos, deixou um conjunto de obras que continuam a desafiar e encantar aqueles que se aventuram por suas páginas.
Na tessitura de “Orgulho e Preconceito”, desenha-se um espaço de fuga para mentes inquietas como a de sua criadora, um refúgio onde as protagonistas podem almejar algo além das restrições impostas a seu gênero. Elizabeth Bennet, com seu espírito inquebrantável, representa essa aspiração à independência, um anseio por um mundo em que mulheres tenham direito à própria narrativa. Essa mesma necessidade de conexão com o universo austeneano impulsiona a trama de “Austenland”, romance de Shannon Hale adaptado para o cinema por Jerusha Hess em 2013. A protagonista, Jane Hayes, encarna o fascínio pelo universo da escritora britânica, alimentando o sonho de viver sob as regras de um tempo que, à distância, parece mais elegante e romântico do que de fato foi.
A versão cinematográfica de Hess, com 97 minutos de duração, equilibra-se entre a sátira e a homenagem, explorando tanto o encanto quanto as limitações desse desejo de imersão em um passado idealizado. Para os admiradores de Austen, o filme reserva momentos de deleite nostálgico, evocando cenários e convenções que remetem aos romances clássicos, enquanto também convida espectadores alheios ao culto a uma reflexão sobre os perigos da idealização excessiva. A fotografia de Larry Smith traduz esse movimento entre fascínio e desencanto, transformando as jovens sonhadoras e vibrantes em figuras quase espectrais, apagadas pelo tempo.
Jane Hayes, interpretada por Keri Russell, embarca nessa ilusão com uma devoção quase religiosa, aceitando até mesmo o título de Senhorita Erstwhile e submetendo-se ao rigor de um mundo sem celulares, absorventes modernos ou contatos íntimos fora das rígidas normas do século XIX. No entanto, a experiência logo revela rachaduras na fachada de perfeição: o que parecia um conto de fadas começa a desmoronar, e Jane percebe que sua busca por um Senhor Darcy idealizado pode ser apenas um eco das restrições que Austen criticava em sua própria obra. O romance, afinal, nunca foi apenas sobre encontrar o par perfeito, mas sobre descobrir a si mesma dentro das limitações impostas pela sociedade. E essa é a ironia maior: mesmo na ficção, o amor verdadeiro só pode florescer quando se reconhece a imperfeição da fantasia.
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