A série da Netflix que foi assistida 131 milhões de vezes e passou um ano inteiro no Top 10 de 93 países Christopher Saunders / Netflix

A série da Netflix que foi assistida 131 milhões de vezes e passou um ano inteiro no Top 10 de 93 países

O homem comum se acostuma a operar dentro de um perímetro seguro, onde a previsibilidade é a maior das conquistas. Ao longo da vida, ele aprende a cercar-se de precauções, evitando desvios abruptos e desconfortos desnecessários. Entretanto, quando o acaso desmantela essa estabilidade ilusória e o força a encarar o desconhecido, ele hesita. Seu instinto de autopreservação o aconselha a ser prudente, a medir cada passo com cautela. Mas há momentos em que essa prudência se converte em fardo, um peso que o impede de se lançar ao imprevisível e, por consequência, de descobrir a sua verdadeira medida diante do caos.

Se há uma chancela máxima para um ator no universo do entretenimento, talvez seja a de interpretar um super-herói. Gabriel Basso, no entanto, encontrou outra forma de vestir essa capa simbólica. Seu Peter Sutherland, em “O Agente Noturno”, encarna a síntese do homem comum com habilidades extraordinárias — uma figura que oscila entre a serenidade americana e uma aptidão investigativa que o torna peça-chave em qualquer circunstância. A recém-lançada segunda temporada, concebida por Matthew Quirk e Shawn Ryan, mantém essa essência, mas sugere uma transformação. Peter já não é apenas o profissional incansável de antes; ele parece carregar o peso do que viveu, deixando entrever sombras que o distanciam da persona impoluta que antes sustentava.

O que nos distingue como indivíduos é a forma como processamos as experiências que a vida nos impõe. A filosofia, ao longo dos séculos, tentou estruturar essa compreensão, sugerindo que a existência encontra sentido na maneira como interagimos com o mundo, interpretamos os acontecimentos e absorvemos suas consequências. Entre acasos e escolhas, construímos uma narrativa pessoal que tanto pode nos levar ao amadurecimento quanto nos condenar a ciclos de repetição. A vida não se resume a um percurso linear, mas a um emaranhado de tentativas de extrair alguma lógica do improvável.

É nesse estado de espírito que Peter Sutherland se encontra. Após neutralizar uma bomba e impedir uma tragédia ferroviária, ele se vê diante de um momento de contemplação — ainda que relutante. Quirk e Ryan, atentos à evolução do protagonista, revisitam trechos do passado da série, pontuando as mudanças sutis em sua conduta. Peter já não é apenas o agente impecável e infalível; ele agora exibe fissuras, ambivalências, indícios de que algo nele se moveu.

Enquanto isso, um personagem como Solomon surge para desestabilizar ainda mais a dinâmica, deslocando o eixo narrativo para um terreno menos previsível. Basso conduz essa transição com habilidade, mantendo um pé na versão clássica do protagonista e outro naquilo que os roteiristas vislumbram para seu futuro. Se há uma terceira temporada à vista, é provável que ele já não seja o mesmo agente que conhecemos — talvez, dessa vez, ele precise enfrentar um inimigo ainda maior: a si próprio.


Série: O Agente Noturno — 2ª temporada 
Criação: Matthew Quirk e Shawn Ryan
Anos: 2023-2025
Gêneros: Thriller/Suspense/Aventura 
Nota: 8/10