Histórias que flertam com o abismo, protagonizadas por figuras acostumadas a navegar à margem do previsível, exercem um magnetismo inegável sobre o espectador. No caso de “A Última Parada do Arizona”, a máxima do caos como catalisador narrativo é elevada ao extremo. Francis Galluppi, com recursos enxutos, transforma um cenário banal em um tabuleiro de tensão crescente, reafirmando que a combustão dramática não depende de cifras milionárias, mas sim de engenho e precisão.
Ainda em ascensão na indústria, Galluppi, aos 36 anos, demonstra uma assinatura inconfundível: suas tramas orbitam a violência, permeadas por um senso de mistério e embaladas por uma musicalidade que transcende a trilha sonora, quase como um elemento diegético. O argumento de seu filme repousa sobre um clichê bem estabelecido — fortunas súbitas e de origem suspeita desestabilizando o homem comum —, mas seu olhar afiado confere frescor ao velho dilema moral, tornando o previsível intrigante.
No árido condado de Yuma, no Arizona, o posto de gasolina de Vernon, um sujeito de porte imponente vivido por Faizon Love, vê seu estoque de combustível esgotar-se. Motoristas retidos migram para o restaurante anexo, onde o calor sufocante e a frustração criam um caldeirão de ânimos inflamáveis. A chegada de um viajante, conhecido apenas como O Vendedor de Facas, dá início a um jogo de interações carregadas de subtexto. Ele almeja chegar a Calabasas, Califórnia, para rever a filha, mas, antes disso, precisa atravessar um território infestado de ameaças latentes.
A tensão latente é pontuada por respiros cômicos, especialmente na figura de Charlotte, a garçonete interpretada por Jocelin Donahue. Sua insistência em oferecer torta de ruibarbo contrasta com a impaciência dos clientes, criando um detalhe de estranha ternura. Casada com o xerife Charlie (Michael Abbott), ela mantém uma postura estoica diante da clientela rústica, até que sua conversa com O Vendedor de Facas é abruptamente interrompida por dois homens que carregam a violência na expressão e nos gestos.
Beau e Travis, fugitivos de um assalto a banco amplamente noticiado, transformam aquele ambiente já tenso em uma panela de pressão prestes a explodir. Galluppi então injeta doses de humor absurdo, deslocando sua trama para um território híbrido onde o thriller se deforma em farsa sem perder a tensão central. Donahue e Jim Cummings sustentam o embate dramático contra Richard Brake e Nicholas Logan, os criminosos que impõem sua presença brutal. Em meio ao caos, ainda há espaço para Miles e Sybil, um casal de foras-da-lei em gestação, interpretados por Ryan Masson e Sierra McCormick.
No ato final, o filme resvala na estética e no pessimismo de “Onde os Fracos Não Têm Vez” (2007), evocando a brutalidade cínica dos irmãos Coen. Esse flerte com o neo-western chamou a atenção de Sam Raimi, cineasta que consolidou sua carreira no terror e que, recentemente, apadrinhou talentos emergentes como Adam Schindler e Brian Netto (“Não Se Mexa”, 2024). A conexão entre Raimi e Galluppi sugere um futuro promissor para este último, possivelmente à frente de uma nova produção de grande orçamento. Se até agora ele fez milagres com escassez de recursos, resta ver até onde sua inventividade o levará quando puder dar rédea solta à imaginação.
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