Estudos indicam que essa comédia na Netflix é capaz de reverter mau humor crônico e crises existenciais Divulgação / Netflix

Estudos indicam que essa comédia na Netflix é capaz de reverter mau humor crônico e crises existenciais

A condição da mulher nas sociedades contemporâneas talvez seja o reflexo mais eloquente das profundas transformações sociais e culturais vivenciadas nas últimas décadas. Se, há meio século, a presença feminina em cargos de liderança era vista como uma anomalia quase tão improvável quanto um extraterrestre de pele esverdeada e antenas reluzentes, hoje é parte do cotidiano observar mulheres no comando de conglomerados globais, instituições financeiras e varejistas de grande porte. A imagem de um par de sapatos de salto alto atravessando corredores corporativos simboliza não apenas a conquista de espaços outrora vedados, mas também a resiliência e o talento que pavimentaram esse caminho.

Essa mudança de paradigma, no entanto, não se deu sem desafios. O percurso trilhado pelas mulheres foi marcado por uma combinação de esforço extenuante e uma capacidade inata de adaptação a um mundo que, por muito tempo, resistiu a reconhecê-las como protagonistas. Essa tensão entre o que foi conquistado e o que ainda parece inalcançável permeia a narrativa de “Meio Grávida”, filme dirigido por Tyler Spindel. O longa acompanha a jornada de Lainy Newton, uma professora do ensino fundamental interpretada por Amy Schumer, que, ao fazer um balanço da própria vida, percebe que, apesar das realizações profissionais e pessoais, lhe falta aquilo que mais deseja: a maternidade.

Spindel, sobrinho de Adam Sandler, poderia facilmente se contentar com um humor escrachado típico de sua linhagem artística. No entanto, “Meio Grávida” se propõe a ser mais do que uma comédia convencional, equilibrando momentos de riso com reflexões sobre os dilemas contemporâneos da maternidade. O filme examina de maneira sagaz um paradoxo evidente: embora a sociedade continue a produzir novas gerações, a decisão de ter filhos se torna, para muitos, uma questão cada vez mais carregada de dúvidas e angústias. Se, por um lado, a independência feminina ampliou as possibilidades de escolha, por outro, trouxe consigo um emaranhado de pressões, inseguranças e expectativas conflitantes.

A trajetória de Lainy é um retrato ácido desse cenário. Seu desejo por um filho a conduz a um relacionamento conturbado com Dave (Damon Wayans Jr.), um parceiro emocionalmente imaturo e incapaz de corresponder à profundidade de suas aspirações. Quando ele sugere incluir uma terceira pessoa na relação em vez de assumir um compromisso genuíno, Lainy se vê forçada a confrontar a realidade de seu próprio desespero. Enquanto tenta seguir em frente, testemunha uma espécie de “epidemia de gravidezes” ao seu redor, incluindo a de sua melhor amiga Kate (Jillian Bell), cujo comportamento reforça a ideia de que a maternidade não é uma experiência universalmente desejada ou benéfica.

O roteiro, assinado por Schumer e Julie Paiva, leva a obsessão de Lainy a extremos tragicômicos, culminando no uso de uma barriga postiça em um esforço desesperado para preencher o vazio emocional que a assombra. Por mais inverossímil que essa premissa possa parecer, Spindel e sua equipe conseguem extrair dela algo que vai além da mera sátira. Em meio ao caos e ao absurdo da trama, surgem referências inesperadas — de Shakespeare à perspicácia intelectual de bell hooks — que elevam o filme para além do riso fácil e inserem camadas de crítica social e existencialismo.

Ao final, “Meio Grávida” não entrega respostas prontas nem encerra sua narrativa com soluções convencionais. Em vez disso, propõe uma reflexão incisiva sobre os paradoxos da vida adulta, o preço das expectativas sociais e a eterna busca por sentido em um mundo onde os papéis de gênero, a autonomia individual e o desejo por pertencimento seguem em disputa. Spindel prova que, mesmo dentro de um gênero muitas vezes subestimado, é possível provocar, surpreender e, acima de tudo, contar uma história que ressoe muito além dos limites da tela.

Filme: Meio Grávida
Diretor: Tyler Spindel
Ano: 2025
Gênero: Comédia/Romance
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★