Richard Linklater brinca com o que você espera de um romance. Glen Powell joga o resto no fogo. O Prime Video só assiste Divulgação / Netflix

Richard Linklater brinca com o que você espera de um romance. Glen Powell joga o resto no fogo. O Prime Video só assiste

Richard Linklater já demonstrou um domínio peculiar ao transitar entre diferentes gêneros, mas nem toda incursão sua resulta em um trabalho memorável. “Assassino por Acaso” encaixa-se nessa categoria: um filme que entretém, porém sem alcançar a engenhosidade narrativa característica do diretor. O longa, escrito em parceria com Glen Powell, que também protagoniza a história, inspira-se em um artigo de não-ficção de Skip Hollandsworth, publicado na “Texas Monthly”. O texto original relata o caso real de Gary Johnson, um professor do ensino médio que, insatisfeito com a previsibilidade de sua rotina, passa a colaborar secretamente com a polícia.

Sua tarefa consiste em personificar um matador de aluguel, reunir-se com possíveis clientes e registrar provas que levem à prisão de indivíduos interessados em eliminar desafetos. No mundo real, Johnson auxiliou as autoridades na captura de aproximadamente 60 pessoas que tentavam encomendar assassinatos, abrangendo alvos como cônjuges, concorrentes de negócios e desafetos variados. O filme toma essa premissa como ponto de partida, mas adiciona camadas ficcionais ao introduzir Madison (Adria Arjona), uma mulher que deseja se livrar do marido abusivo, tornando-se o maior dilema moral do protagonista.

Para impedir que Madison efetive seu plano criminoso, Gary — assumindo a identidade fictícia de Ron, um suposto assassino profissional — a convence a abandonar o marido e recomeçar a vida longe da violência. Madison, persuadida por essa possibilidade de liberdade, aceita o conselho e parte, deixando o passado para trás. No entanto, algum tempo depois, o destino os aproxima novamente, e uma conexão inesperada se forma entre os dois. O problema é que Madison se envolve romanticamente com Ron, sem desconfiar que ele é apenas um personagem criado pelo verdadeiro Gary.

A relação ganha contornos perigosos à medida que os encontros se tornam frequentes e os sentimentos, mais intensos. Madison ainda acredita estar lidando com um matador de aluguel, o que adiciona um elemento de risco ao romance. O jogo de identidades gera uma tensão constante, exacerbada quando o ex-marido dela ressurge, provocando um confronto direto. Durante uma briga na saída de uma boate, Ron saca uma arma para intimidá-lo, consolidando ainda mais sua persona de criminoso. Pouco tempo depois, em uma reviravolta irônica, o próprio ex-marido de Madison procura Ron, sem reconhecer sua verdadeira identidade, e tenta contratá-lo para assassinar sua ex-mulher.

O desdobramento inevitável ocorre quando o ex-marido aparece morto, e todas as suspeitas recaem sobre Gary e Madison. Com a polícia no encalço, ambos precisam arquitetar um álibi convincente, mas uma sequência de equívocos, situações absurdas e desencontros torna qualquer justificativa pouco crível. O longa, então, transforma-se em uma mistura de thriller policial e comédia de erros, brincando com o absurdo das circunstâncias e com a fragilidade das identidades que os personagens constroem para si mesmos.

Filmado em apenas um mês, em Nova Orleans, “Assassino por Acaso” transpõe a história de um caso real do Texas para um cenário fictício, adaptando eventos e personagens para torná-los mais palatáveis ao público. Linklater chegou a trocar conversas telefônicas com Gary Johnson durante o processo de produção, mas o verdadeiro protagonista dessa saga faleceu antes de ver sua vida transformada em ficção.

O filme evoca, em certos momentos, o espírito de narrativas como “Sr. e Sra. Smith”, ao equilibrar ação e romance em meio a um jogo de aparências e intenções duvidosas. Contudo, a obra não alcança o brilho que Linklater já demonstrou em outras ocasiões. O resultado é uma experiência divertida e ágil, mas que, ao contrário de seus trabalhos mais marcantes, não provoca reflexões profundas ou imprime um olhar singular sobre o material original. Ainda assim, prova que mesmo cineastas renomados podem se aventurar por caminhos menos inspirados sem comprometer seu legado.

Filme: Assassino por Acaso
Diretor: Richard Linklater
Ano: 2023
Gênero: Comédia/Crime/Romance
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★