Quando três indicados ao Oscar entram em um filme de ação, você assiste por diversão ou por respeito? Descubra no Prime Video Divulgação / SPWA

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Há algo de paradoxalmente imutável e convulsivo na Irlanda, uma terra onde a beleza indomável de suas paisagens contrasta com a persistência de feridas históricas que se recusam a cicatrizar. Entre 1968 e 1998, o país mergulhou em um conflito de raízes profundas, um embate marcado tanto por ideais quanto por vinganças, um cenário de pólvora e fervor religioso que transformou as ruas em trincheiras. “Na Terra de Santos e Pecadores” percorre essa zona de sombras, evocando The Troubles, expressão quase eufemística para décadas de hostilidade entre facções irlandesas e o domínio britânico. A narrativa se assenta sobre marcos históricos bem definidos — a emergência da Força Voluntária do Ulster em 1966, as manifestações pelos direitos civis em outubro de 1968, a Batalha do Bogside em agosto de 1969 e a chegada das tropas britânicas dias depois —, mas sua essência não se prende ao passado. Em vez disso, revela como ecos de violência continuam a reverberar, mesmo em tempos de aparente paz.

Nesse contexto de fé e fuzis, surge Finbar Murphy, um assassino de aluguel que decidiu abandonar o ofício, acumulando recursos para passar os últimos anos em sossego, longe das sombras do passado. Sua escolha o leva a Donegal, um recanto verdejante no extremo norte da Irlanda, de falésias esculpidas pelo vento e trilhas castigadas pelo tempo. Mas, como tantas vezes ocorre, a aposentadoria se revela uma ilusão. O diretor Robert Lorenz, veterano parceiro de Clint Eastwood na produção de títulos icônicos como “Sobre Meninos e Lobos” (2003) e “Menina de Ouro” (2004), absorve as lições do mestre e as aplica em sua própria obra. Sua aposta em Liam Neeson como o pilar do filme se justifica: poucos atores traduzem tão bem a interseção entre retidão e brutalidade, entre culpa e redenção.

A presença de Eastwood é quase um fantasma pairando sobre cada cena, não apenas na gramática visual, mas na essência moral da história. No entanto, Neeson imprime sua marca a Murphy, conferindo-lhe um peso específico, tal como fez em “Agente das Sombras” (2022) e “Assassino Sem Rastro” (2022). O roteiro de Mark Michael McNally e Terry Loane retrocede a 1974 para costurar uma linha narrativa que envolve Doireann McCann, terrorista do IRA cuja missão culmina na morte acidental de três crianças. A trama avança com a construção meticulosa de uma antagonista temível, interpretada por Kerry Condon, que adiciona camadas de frieza e perversidade ao seu papel. Quando a situação se complica, Doireann e seus cúmplices fogem para Donegal, desencadeando um jogo de gato e rato que desestabiliza a aparente calmaria do local.

Lorenz maneja o enredo como um observador atento das engrenagens do destino, posicionando Murphy como uma espécie de condutor silencioso da tragédia iminente. Ainda que dotado de experiência e instinto, ele se vê envolvido por eventos que fogem de seu controle. Seu relacionamento ambíguo com Robert McQue, vivido por Colm Meaney, um líder extraoficial da região, insere nuances na narrativa. Cada assassinato realizado por Murphy é meticulosamente ritualizado — ele obriga suas vítimas a cavar suas próprias sepulturas e planta sobre elas mudas de pinheiro. Curtis June, interpretado por Desmond Eastwood (sem relação com Clint), é um dos primeiros a cair, e sua ausência logo desperta a fúria de Doireann, que não tarda a reagir com violência.

O filme, contudo, tropeça ao negligenciar os dilemas morais que seu título sugere. Transcendência, culpa, redenção — todos esses elementos parecem apenas tangenciar a jornada de Murphy, sem serem plenamente explorados. Ainda assim, a Irlanda se impõe como um personagem à parte, testemunha muda das escolhas e omissões de seus habitantes. A geografia melancólica, capturada com precisão pela fotografia, reforça o sentimento de inescapável fatalismo. O elenco de apoio fortalece a estrutura, com destaque para Ciarán Hinds no papel de Vincent O’Shea, um policial íntegro que funciona como um contraponto à lógica da violência.

Ao fim, “Na Terra de Santos e Pecadores” é um projeto ambicioso que oscila entre a reflexão e a ação, mordendo mais do que pode mastigar, mas sem perder a capacidade de manter o espectador imerso. Seus detalhes, por vezes discretos, são o que o tornam memorável. Quando a poeira baixa, sobra a sensação de que a luta entre anjos e demônios — internos e externos — não se resolve com um simples gatilho, mas se arrasta, sutil e persistente, como o vento que varre os campos irlandeses.

Filme: Na Terra de Santos e Pecadores
Diretor: Robert Lorenz
Ano: 2023
Gênero: Ação/Faroeste/Thriller
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★