Haveria algum jeito de se reparar decisões erradas que, por terem mexido com a vida de outra pessoa de forma tão profunda, constituem-se numa maldição imperecível? Refervem no caldeirão de “Mil e Um” alguns dos grandes temas da vida, em especial aqueles que podem levar uma pessoa comum às raias da loucura, ao menos em se tomando por padrão a questionável sanidade que define conexões humanas as mais elementares.
Inez de la Paz, uma cabeleireira de 22 anos, não teve a chance de vencer as metafísicas preocupações quanto à consistência dos detritos fisiológicos de um bebê, ou as agonias da adaptação de uma criança à escola, mas parece comprometida de corpo e alma a travar a batalha inglória e quase trágica de acompanhar a evolução de um adolescente, certa de que fará um bom trabalho. Em 116 minutos, a diretora A.V. Rockwell elabora um rico estudo de personagem, abrindo o leque para assuntos como maternidade precoce, violência doméstica, injustiça social, temas que soam próximos ao mais afortunado dos mortais graças à performance tão orgânica quanto reveladora de uma atriz incomparável.
A Inez de Teyana Taylor já viveu muitas vidas em uma e não se abala com pouco. O roteiro de Rockwell começa em Nova York, para onde Inez volta depois de uma temporada na ilha-prisão de Rikers Island, e só quer saber de recuperar o tempo perdido, começando por ter de volta o filho Terry, interno do sistema de custódia tutelar do Estado enquanto a mãe cumpria pena por roubo. Um acidente obriga o garoto, interpretado nessa fase por Aaron Kingsley Adetola, a ser hospitalizado e essa parece a oportunidade perfeita para que a moça passe por cima de qualquer convenção, tola, a seus olhos, e leve embora o garoto, que evidentemente necessita de outra educação.
A diretora-roteirista leva seu filme para um thriller envolvente ao insinuar um segredo entre mãe e filho, indevassável e grave o bastante para interferir na natureza da relação dos dois e jamais permitir que se esqueçam de quem são e do lugar a que pertencem, o Harlem dos anos 1990. Com a ajuda da trilha sonora de Gary Gunn e de imagens do noticiário da época, Taylor e Adetola transitam por uma megalópole desumana e desumanizadora e também vibrante, na qual Inez conhece Lucky, o homem com quem termina por casar-se, e malgrado William Catlett consiga um bom espaço na trama (e o mereça), “Mil e Um” é mesmo a odisseia de uma mulher em busca do que é seu. E disposta a provar ao mundo que é digna de um recomeço.
★★★★★★★★★★